Aos 55, Mafalda que ama a paz, os Beatles e a democracia – mas odeia sopas e armas -, continua uma adorável ativista

MARCO MERGUIZZO – Nas palavras de seu criador, o cartunista Quino,­ a quase sessentona Mafalda ama e sempre amará, nesta ordem, os Beatles, a­ demo­cracia, os direitos das crianças e a paz. Em contrapartida, odeia sopa (uma alusão ao autoritarismo e a obrigação de saboreá-la contra a sua vontade), armas, guerra e James Bond (e a Guerra Fria que subliminarmente ele representa). Nem sempre bem-humorada mas impreterivelmente irônica e cheia de atitude, a mais conhecida perso­nagem do quadrinista decano argentino, completa agora, em 2019, 55 anos. E, diga-se, muito bem vividos, obrigado.

De fama planetária, os desenhos da contestadora niña de apenas 6 anos duraram menos de uma década – de 1964 a 1973 -, mas são comentados desde aquela época, fazendo enorme sucesso até hoje. “Uma heroína de seu tempo”, assim a definiu o brilhante escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano Umberto Eco, o primeiro editor de Mafalda no país da Bota.

No Brasil, onde desembarcou em 1982, teve como ­editor o saudoso e atilado ­cartunista Henfil, sinônimo de resistência e de humor ferino e refinado durante os tempos de chumbo porque passou o Brasil, nos anos 1960 até as Diretas Já, nos 80. (Em tempo: Henfil foi o criador do histórico bordão “Diretas Já!”, que denominou o movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais no Brasil, entre 1983 e 1984, após o período da ditadura instalada no início dos anos 60).

No tempo em que a mais famosa, irrequieta e pra lá de marrenta criação de Quino nasceu, o homem, em pleno apogeu da guerra fria e da corrida espacial, não havia sequer colocado os pés na lua. Também não existia comunicação por satélite.  Tampouco a chamada nuvem da internet, que hoje guarda inimagináveis bilhões de terabytes de informações. Ou mesmo a TV que, àquela época, exibia uma programação em preto e branco para antigas tevês a válvula, e cujas transmissões a cabo eram marcadas por uma profusão de chuviscos e interferências.

Com uma série de fatos que marcaram a agenda mundial daquele tempo – como a explosão pela China comunista de sua primeira bomba atômica e, como contraponto, o anúncio do Prêmio Nobel da Paz concedido ao ativista e líder negro americano Martin Luther King (1929-1968) –, 1964 também é o ano em que Nikita Kruschev (1894/1971) foi deposto na extinta União Soviética por um triunvirato capitaneado por Leonid Brejnev (1906/1982).

Como reflexo da polarização entre o capitalismo norte-americano e o comunismo da extinta União Soviética, a América do Sul também via surgir, desafortunadamente, um sem-número de governos ditatoriais de direita, apoiados pelos Estados Unidos, que cercearam as liberdades políticas, de expressão individual e de imprensa, em países como Argentina, Chile e Brasil, em resposta à ameaça do expansionismo soviético no continente.

Foi a partir desse borbulhante caldeirão sociopolítico e do caldo de cultura da frenética e não menos fervilhante década de 1960 do século passado, que o cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino, concebeu a contestadora garotinha Mafalda, personagem maior do desenhista, hoje no auge de seus 87 anos.

Em cima, o argentino Quino, o criador de Mafalda, e embaixo o inesquecível Henfil, pai do Fradim e da Graúna, entre outros personagens contestadores e anticonformistas por natureza

Com identidade sul-americana mas influenciada pelos hábitos e costumes urbanos da sociedade portenha dos anos 60 e 70, já que Quino, o seu “pai” e criador, viveu e trabalhou por um bom tempo na capital argentina até transferir-se para a cidade italiana de Milão, em 1973 – a questionadora Mafalda é, na verdade, o alterego do inventivo e espirituoso artista mendocino – um anticonformista por natureza.

Filho de exilados espanhóis republicanos da Andaluzia, Quino sentiu na pele os efeitos da fragmentação da Espanha na guerra civil da pátria natal de seus pais, da segunda guerra mundial e da ditadura na Argentina. Seus personagens, portanto, não estiveram à margem de todos esses acontecimentos que influenciaram diretamente sua vida.

Além de Mafalda, o ambicioso e materialista Manolito, a futura “dona do lar” Susanita, o idealista Filipe, a pequena e encantadora Libertad, o egocêntrico Miguelito e o perspicaz Guille encarnam arquétipos típicos da classe média daquele período: da esposa dedicada, dos conformistas, dos moderados, dos ingênuos aos idealistas, como a própria Mafalda. Como esta chiquitita mesma dizia: “existem mais problemólogos que solucionólogos no mundo”.

Sem poderes sobre-humanos, só o inconformismo e o ativismo cotidianos, a anti-heroína Mafalda contrapôs-se ao establishment das super-mulheres pasteurizadas da Marvel e da DC Comics

Nascido em 1932 na pequena Guaymallén, na província de Mendoza, interior argentino, berço dos melhores vinhos hermanos, desde cedo o pequeno Joaquín já era chamado pelos familiares pelo apelido com o qual se consagraria décadas depois como “el padre de Mafalda” e de uma profícua produção intelectual ligada aos quadrinhos, à caricatura, à ilustração, à produção de livros e, ainda, como fotógrafo publicitário e roteirista, para diferenciá-lo do tio homônimo, também um desenhista profissional, com quem já aos três de idade aprendeu o gosto pelas artes plásticas e o desenho.  

Mas diferentemente da caricatura criada pelas figuras fortes, monolíticas, glamurizadas e por vezes sexualizadas das heroínas de quadrinhos norte-americanos da Marvel e DC Comics, representantes do establishment norte-americano, caso das mulheres Maravilha, Gato e Invisível, dentre outras (esta última, por sinal, foi a única mulher entre os machões do Quarteto Fantástico, numa tentativa de disfarçar a hegemonia e dominação masculinas), lançadas entre os anos 40 e 60 – os “superpoderes” e toda a “força” da garotinha espevitada inventada por Quino se concentravam, em contrapartida, na sua inteligência sempre aguda e mordaz.

Uma abordagem original e simplesmente genial que era extrapolada na inquietação e senso crítico permanentes de Mafalda sobre os mais variados temas cotidianos – desde os comportamentais aos da velha política, da economia mundial aos científicos, tudo enfim que afligia a alma infantil daquela garotinha de feição aparentemente frágil, mas de uma inteligência cortante e demolidora.

Uma personagem, enfim, de contornos muito humanos. Uma meninota comum, mas dona de um olhar ácido e pensamentos extremamente sofisticados que refletiam à perfeição e com boa dose de irreverência, a consciência social dos conflitos de sua época, a progressiva mudança dos costumes e a então insipiente tecnologia que vinha sendo introduzida no dia a dia, e que hoje faz parte da realidade e da vida das pessoas.

Mafalda: questionando o mundo nas tirinhas de jornal

29 de setembro de 1964. Este é, oficialmente, o dia em que chegou ao mundo a garotinha criada pelo então jovem e talentoso quadrinista Quino, já considerado à época como dos principais humoristas gráficos do país. Foi quando a primeira tira de jornal da Mafalda foi publicada na extinta revista Primera Plana, na edição de número 99.

A personagem, cujo nome foi inspirado pela novela Dar la cara, de David Viñas, teria sido criada um ano antes para uma propaganda de eletrodomésticos que seria publicada no diário Clarín. Mas o tradicional jornal argentino rompeu o contrato e a campanha foi cancelada. “Adaptei, então, a tira. Como não tinha que elogiar as virtudes de nenhum aspirador, a fiz reclamar, carrancuda. Foi uma revanche imediata”, esclarece Quino.

Depois disso, Mafalda ganharia a vida sob a sugestão de Julián Delgado, na época o editor-chefe da Primera Plana e amigo de Quino. Precoce até na idade cronológica, a garotinha de cabelos negros e fita vermelha na cabeça nasceu, na verdade, já com seis anos. Inquieta, “beatlemaníaca” e “sopafóbica”, já que surgiu odiando todo tipo de caldo preparado pela mãe – Mafalda é, segundo a definição de seu próprio criador, “uma menina que tenta identificar os bons e os maus deste mundo”.

Em sua estreia, além da própria da personagem, foram apresentados apenas os pais da personagem e o “chapa” Filipe. Uma disputa legal em março de 1965, no entanto, decretaria a morte da publicação, porém não da trajetória de Mafalda e sua longa jornada.

Uma semana depois, apenas, e ela reapareceria no diário Mundo de Buenos Aires, na companhia de  Manolito e Susanita. A doce mamá de chiquitita estava grávida quando o jornal faliu em dezembro de 1967. Ao melhor estilo Highlander, porém, Mafalda ressuscitaria seis meses depois, em junho de 1968, no Siete Días Illustrados.

Como os quadrinhos tinham que ser entregues duas semanas antes de sua publicação, Quino não conseguia comentar as notícias mais recentes – matéria-prima a partir da qual a maioria dos quadrinistas criava e alimentava suas historinhas. Daí, ele ter partido para temas do cotidiano, uns mais complexos, outros menos, porém, todos sempre atuais, jornalisticamente factuais e de grande interesse dos leitores.

De celebridade local dos quadrinhos, a garotinha só interromperia essa sua trajetória em junho de 1973, quando insatisfeito com a rotina do trabalho e com os próprios rumos da política argentina à beira do golpe militar, foi viver em Milão como exilado, transferindo-se de mala e cuia com a mulher, Mafalda e companhia para aquela cidade italiana, onde passou a residir até se mudar finalmente, nos anos 2000, para a capital espanhola, onde vive seis meses e em Buenos Aires no restante do ano.

Uma menininha adoravelmente marrenta e sem censura

À época, Quino justificaria a “morte” de Mafalda e a última aparição dela em tiras de jornal, dizendo que a personagem “não tinha mais nada a dizer”. Mas, na verdade, para o pai de Mafalda, esse período foi um piores de sua vida. “A pátria significa juventude, portanto o fato de estar longe, tornou o meu humor um pouco menos vivaz, mas, sem dúvida, muito mais profundo”.

De acordo com o cartunista, Mafalda não teria sido censurada em nenhum momento durante o período em que transcorreu a ditadura argentina. “Acredito que até em razão de as tirinhas de humor serem consideradas um gênero menor, que não representavam uma ameaça ao governo militar. Por outro lado, as HQs não aparentavam ser uma arte “intelectualizada” e eram percebidas apenas como mero entretenimento”, destacou.

Além disso, Quino confessaria que acabou com a série porque estava cansado de fazer sempre a mesma coisa. “A decisão passou até pela minha mulher, porque ela estava chateada de não saber se podíamos ir ao cinema, convidar pessoas para jantar, porque eu ficava até 10 da noite mergulhado no trabalho”, revelou. “Além disso, era muito difícil não me  repetir. Quando não tinha mais uma nova ideia, recorria a Manolito ou a Susanita, com perfis mais fáceis de se trabalhar, para criar histórias e roteiros originais”, diz. “Se tivesse continuado àquela época, os mais conhecidos hoje talvez seriam Miguelito e Libertad”.

A partir daí, já em solo europeu, a meninota sul-americana, encantadoramente questionadora e de humor perspicaz, também trilharia o caminho da fama e sucesso por todo o Velho Continente. Editadas em vários países e idiomas, excetuando-se unicamente os Estados Unidos, onde jamais circulou – as histórias dessa personagem preocupada com temas existenciais e a paz mundial logo chamaram a atenção dos leitores. Desde os seus inícios, as tirinhas carregavam de modo subliminar inúmeras críticas e analogias impagáveis.

A encantadora Libertad, superamiga de Mafalda, e a tartaruguinha de estimação Burocracia: personagens com nomes inventivos e autoexplicativos que nos fazem rir e refletir até hoje

Caso da sua tartaruguinha, chamada por Mafalda com boa dose de picardia e ironia de “Burocracia”. Autoexplicativo, esse nome de batismo foi dado por conta, obviamente, do modorrento e intrincado sistema que domina governos e administrações públicas mundo afora, e acaba por emperrar o pleno funcionamento das empresas e atrapalhar o cotidiano do cidadão comum e da sociedade como um todo.

Mafalda e Charlie Brown: “anti-heróis” que fazem pensar

Em seus anos de glória e de superexposição midiática, a personalidade de Mafalda chamou tanta atenção, que mereceu um ensaio do conhecido escritor e pensador italiano Umberto Eco (1932-2016). Em sua preciosa análise, Eco comparou o perfil da pequena argentina com a de um outro personagem dos quadrinhos igualmente famoso à época: a do “anti-herói” Charlie Brown, da turma do simpático cãozinho beagle Snoopy, criado pelo cartunista norte-americano Charlie Schulz (1922-2000).

Criação do não menos genial Charlie Schulz, o filosófico personagem Charlie Brown, da turminha do Snoppy & Cia., foi fonte de inspiração e é alma gêmea da maninha argentina Mafalda

“Essa garotinha não é somente um personagem de quadrinhos; talvez seja o símbolo mais representativo da sociedade argentina nos anos 70”, escreveu. “Uma heroína iracunda que rejeita o mundo assim como ele é. Para compreendê-la convém compará-la com Charlie Brown, cuja influência não lhe é alheia”.

Quino, seu próprio criador, tempos depois, admitiu em várias entrevistas as semelhanças no DNA de um e de outro, bem como as inegáveis influências do cartunista americano sobre seu trabalho. “Schulz criou personagens antipáticos, simpáticos, bons, maus, invejosos, generosos e isto foi uma revolução. E confesso que peguei bastante dele, me inspirei em sua obra, mas como não sou americano fiz uma leitura, adaptação e um olhar bem argentinos”, comentou.

Para Quino, Mafalda pertence a um país denso de contrastes sociais e vive em um contínuo diálogo com o mundo adulto, mas o rejeita, reivindicando o direito de continuar sendo uma criança. Já o garoto Charlie Brown, transita por um universo infantil próprio, do qual estão rigorosamente excluídos os adultos, com a diferença de que as crianças querem virar adultos.

“Como o universo de Mafalda é o de uma América Latina urbana, isso faz com que a sua figura seja muito mais compreensível do que os personagens americanos de Schulz e considerada uma verdadeira heroína latina dos tempos atuais, alcançando contornos quase reais”, definiu à época o ensaísta e semiólogo italiano. “Mafalda, por sua vez, vive em um contínuo diálogo com o mundo adulto. Um mundo que não estima, não respeita, humilha e rejeita reivindicando o seu direito de continuar sendo uma menina que não quer se responsabilizar por um universo adulterado pelos pais”, anotou.

Bebendo do revisionismo freudiano e do ativismo de Che

Ainda de acordo com Eco, Charlie Brown teria bebido “da mesma fonte dos revisionistas freudianos e está à procura de uma harmonia perdida. Já Mafalda leu muito provavelmente Che Guevara”, interpretou o ensaísta visando a diferenciar o pensamento e a ideologia de um e de outro. Para ele, a personagem de Quino é uma anticonformista, embora apresente algumas ideias políticas confusas.

“Ela não consegue entender o que acontece no Vietnã, não sabe porque existem os pobres, não confia no Estado e a presença dos chineses a preocupa. Só uma coisa ela sabe claramente: ela nunca se conforma com as coisas”, analisou em seu célebre ensaio dos anos 70.

Mafalda e seus amigos: criados nos já longínquos anos 1960, os personagens atemporais de Quino transportam o mesmo mundo fragmentado que ela questionava há mais de meio-século

Segundo o autor de o Nome da Rosa, Mafalda é rodeada por uma pequena turma de personagens que ele classifica como “unidimensionais”. Manolito, por exemplo, de acordo com o ensaísta, é um coroinha integrado do capitalismo de bairro, que sabe com total certeza que o valor primário neste mundo é o dinheiro. Filipe, um sonhador tranqüilo. Susanita, uma menina quase beata, de espírito maternal e “narcotizada por sonhos pequeno-burgueses”. Já os pais de Mafalda, segundo Eco, são esmagados tanto pela dura rotina cotidiana que vivem quanto pelo tremenda responsabilidade de ter que cuidar da contestadora Mafalda.

Quino, porém, embora respeite e valide tais interpretações, faz questão de desmistificar muitos desses ensaios interpretativos e “estudos” sociológicos. “Copiei as cenas de quando comia em minha casa, e as pessoas gostaram logo de cara, porque poucos desenhistas à época faziam isso”, observou Quino de modo objetivo.

“Nesse aspecto, Charlie Brown me agradava bastante, mas me parecia um horror que não houvesse adultos em suas histórias”, diz o pai de Mafalda, admitindo nunca ter pensado que a personagem pudesse alcançar o prestígio que ostentava, transformando-se na “voz” de muitas pessoas, conservando-se até hoje em certa medida. “No meu trabalho, apelava para as notícias do dia e escrevia sobre o que saía nos jornais – o mundo era assim. Eu não disse, ‘vou a fazer uma menina contestadora’… Não! A personagem saiu assim! Muitas vezes desenhava coisas pelas quais me sentia impelido”, simplificou numa explicação desconcertante.

Abaixo o machismo do primeiro-ministro

Ao longo do tempo, porém, o ativismo de Mafalda em prol de causas humanistas – e sobretudo o seu espírito combativo -, voltaram a aparecer em diversas ocasiões. Como no ano de 1977, quando a espevitada garotinha foi a protagonista principal de um pôster de Unicef, que ilustrava a Declaração Universal dos Direitos da Criança, ao promover campanhas sobre os Direitos Humanos mundo afora.

Ou, mesmo, em 2009, quando deu as caras no jornal italiano La Repubblica criticando declarações misóginas do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi. “Não sou uma moça à sua disposição”, dizia na tirinha a respondona Mafalda, juntando-se a milhares de mulheres que se sentiam ultrajadas pelas declarações machistas do político de direita ultranacionalista e milionário italiano, um conhecido mulherengo e protagonista de escândalos com prostitutas.

Até os dias de hoje, por sinal, com os “problemólogos” ainda à solta por aí, a adorável figura da Mafalda permanece mais atual do que nunca. “Às vezes até eu me surpreendo como algumas tirinhas de 40 anos atrás, pois continuam valendo e se encaixam no contexto presente”, confessou Quino em uma entrevista concedida à agência AFP, em 2014, quando a personagem completou meio-século de vida. Para ele, Mafalda diria certamente a mesma coisa nos dias de hoje. “E com mais argumentos ainda”, ele ressalta. “Não é preciso perguntar o porquê pelo que se lê hoje na mídia no mundo todo”.  

Quino também se diz surpreso com a fama planetária de sua maior e mais conhecida personagem, considerada por muitos como uma das 10 figuras argentinas mais famosas do século XX. “Acredito que a temática é comum a todos os grupos familiares e humanos, que existem em todo o mundo, seja na América Latina, Europa ou Ásia.”

As sacadas atemporais da garotinha argentina, por certo, vão continuar a permear várias gerações, marcando a infância, a juventude e a vida adulta de muitos marmanjos e garantindo o seu sucesso junto a leitores de todas as idades.

O segredo? Todas as dúvidas de Mafalda e as suas inquietações sobre a vida ainda parecem transportar o mesmo mundo fragmentado que ela questionava há mais de meio século. Questões que até hoje, para muitos de seus fãs, continuam sem solução e em busca de respostas. Genial e geniosa essa garotinha já quase uma sessentona.

CANJA: RECEITA DE MÃE QUE NÃO FAZ MAL A NINGUÉM

Embora Mafalda seja uma “sopafóbica” de carteirinha e deteste todo tipo de caldo – não pelo sabor mas por ser, sob sua ótica particularíssima, sinônimo de autoritarismo -, nossas avós recomendavam e nossas mães faziam ao menor aceno de uma simples e inofensiva gripe. Daí, veio Jorge Ben Jor e cantou: “Canja de galinha não faz mal a ninguém!” 

Prato de origem asiática, a canja veio para o Brasil pelas mãos dos colonizadores portugueses. No seu Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira diz que a palavra vem do malaiala kanji. É a língua falada em Malabar, na costa sul-ocidental da Índia, onde ficava a colônia portuguesa de Goa. Significa arroz com água.

A kanji desembarcou no Brasil levando carne de galinha indiana. Na transmigração, a receita ainda foi adaptada, acrescentando-se alho, pimenta-do-reino, cebola, louro, batatas e cenouras.

Atualmente, há quem coloque no fundo do prato, antes de servir, um pão temperado com manteiga e alho aquecido na chapa. No início, era comida servida para doentes e em refeições frugais familiares. Depois, virou prato dae jantares elegantes e ceias intelectuais.

No Brasil, a palavra ganhou novas acepções. “Dar uma canja” é o mesmo que se apresentar de graça. Cantores profissionais fazem isso em bares noturnos, após três ou quadro doses de uísque. “Ser canja” tem o sentido de coisa fácil de se obter ou conseguir.

Seja como for, aproveite estes últimos dias de outono e já às portas da estação mais fria do ano, para sorver uma boa sopinha, aquecer o paladar e, de quebra, incendiar a alma com os Beatles.

Salve, Quino! Salve, democracia!

CANJA DE GALINHA
INGREDIENTES

1 peito de frango, com osso e pele. 1 xícara (chá) de arroz. 1 batata. 2 cenouras. 2 talos de salsão (as folhas de um). 1 cebola média. 2 litros de água. 2 folhas de louro. 2 cravos-da-índia. 2 colheres (chá) de sal. Azeite a gosto. Pimenta-do-reino moída na hora a gosto. Endro (dill) fresco a gosto para servir.

PREPARO
  1. Descasque e corte a cenoura em meias luas de 1 cm. Lave, seque e corte o salsão em fatias de 1 cm na diagonal (reserve as folhas de 1). Corte a cebola ao meio, descasque e prenda 1 folha de louro em cada metade, espetando com um cravo.
  2. Numa panela média, coloque o peito de frango, a cenoura, o salsão (com as folhas reservadas) e a cebola cravejada. Cubra com a água e leve ao fogo alto. Assim que ferver, abaixe o fogo e deixe cozinhar por mais 40 minutos. Enquanto isso, descasque e corte a batata em cubos de 1 cm.
  3. Com uma escumadeira, transfira o peito de frango para um prato e reserve. Retire e descarte as folhas de salsão e as cebolas cravejadas. Tempere o caldo com o sal, adicione o arroz, a batata e deixe cozinhar, em fogo baixo, por mais 20 minutos, mexendo de vez em quando – atenção, não deixe o arroz cozinhar demais para não ficar empapado.
  4. Enquanto o arroz cozinha, descarte a pele e desfie metade do peito de frango – você pode armazenar o restante na geladeira, ou no congelador para outra receita.
  5. Assim que o arroz estiver cozido, misture o frango desfiado e sirva a canja com folhas de endro frescas, azeite e pimenta-do-reino moída na hora a gosto.
PARA VER, OUVIR E SABOREAR:
YESTERDAY (1965) – THE BEATLES
HEY JUDE (1968) – THE BEATLES
LET IT BE (1970) – THE BEATLES
CANJA DE GALINHA NÃO FAZ MAL A NINGUÉM (JORGE BENJOR)
MARCO MERGUIZZO 
é jornalista profissional 
especializado em gastronomia, 
vinhos, viagens e outras 
coisas boas da vida. 
Escreve neste coletivo 
toda sexta-feira. 
Me acompanhe também no Facebook e no Instagram, 
acessando @marcomerguizzo  
#blogaquelesaborquemeemociona 
#coletivoterceiramargem 

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