Um olhar sobre nossas convicções

NILSON RIBEIRO – Por que eu tenho que estar certo?

há algo de patético em todos nós. Por algum caminho absorvemos cultura, informação, conceitos. Depois, a partir disso, formamos nossas opiniões e convicções. E, depois, procuramos desesperadamente maneiras de sustentá-las. Sejam elas religiosas, políticas, comportamentais, sociais ou uma simples receita de espaguete.

Quando estamos convictos de que sabemos que aquilo é a verdade, que é o jeito certo de pensar e fazer,  nos aferramos a essa convicção com unhas e dentes e nos curvamos sagradamente a qualquer coisa que reafirme esse ponto de vista. Pode ser um texto de algum “intelectual”, uma opinião de um “jornalista imparcial”. Basta uma olhada nas redes sociais para ilustrar essa hipótese. Vemos pessoas extremamente inteligentes defendendo seus pontos de vista polares com tanta argumentação e maestria que – caso não tivéssemos a nossa própria convicção – ficaria difícil encontrar falhas nessas dissertações.

Pegue um personagem político icônico como exemplo: os que o amam e os que o odeiam (por qualquer uma de suas virtudes e defeitos).  Aos que amam, não há defeito que possa suplantar suas virtudes. Aos que odeiam, o contrário. E o debate se eterniza, com um lado classificando o outro de alienado.

Mas, por que temos que nos aferrar tão fortemente às nossas convicções? Por que precisamos estar com  a razão? Os mestres nos dirão que essa é uma das mais ardilosas artimanhas do ego. É preciso estar solidamente fundamentado em algum dos lados para que nossa “identidade” floresça, se manifeste, se fortaleça.

Quando temos uma nesga de dúvida (será que eles podem estar certos e eu errado?), ou quando nos dirigimos para o centro do debate, sem que escolhamos claramente um lado, algo se desintegra imediatamente dentro de nós, gerando um desconforto que precisa ser imediatamente afastado. “Que bobagem! É claro que eu estou certo. Estou acima desse raciocínio alienado.” E esse pensamento nos devolve à zona de conforto: nossa identidade (nosso ego) está preservado.

Contudo, um grande mestre me ensinou: “Lembre-se que você conhece apenas uma pequena parte da verdade”. Essa simples descoberta me fez muito mais humilde em minhas análises e muito mais cuidadoso em minhas conclusões. A “minha” verdade é apenas uma “parte”: a “minha parte” da verdade.

Posso lembrar-me disso toda vez que emitir uma opinião. E, dessa forma, respeitar a “parte outra” da verdade do oponente, tão limitado quanto eu em sua visão apequenada pelo seu próprio universo de conhecimento e relações. É claro que isso me torna mais vulnerável, torna minha identidade mais “porosa”, inconsistente. E anavalha meu próprio ego, a ponto de me perguntar: “por que devo entrar nesse embate se sei que não sei toda verdade?” O ego urra! “Deixa de ser idiota, deixe de ficar em cima do muro! Seja forte! Assuma seu posicionamento”. Mas algo em mim sorri e diz ao ego: “Deixe de ser patético. Meus retalhos de verdade sustentam a forma que eu olho a vida e o mundo. Mas não preciso me exaurir na defesa desses conceitos absorvidos a conta-gotas aqui e ali. Me deixe em paz.”

Isso me torna mais flexível, resiliente, aberto às múltiplas possibilidades. Mas também me mantém numa zona de desconforto com a qual preciso lidar a cada nova “convicção” combalida. O ego dói.

lembre-se que você conhece apenas uma parte da verdade

É bastante provável que esse raciocínio desagrade às duas polaridades do debate – seja ele político, sobre um ícone de nossa política, religioso, social, ou apenas sobre sua imbatível receita familiar de espaguete. Você talvez esteja me julgando.

Mas, caso sinta um desconforto em algum lugar aí, antes de me chamar de bobão, pergunte-se corajosamente o que está gerando esse desconforto. Veja o que está ruindo. E talvez você possa dizer, em algum lugar fora de seus conceitos mentais tão bem fundamentados: “senhor ego, vai ver se eu estou na esquina!”.Isso pode ser o bom começo de uma inesperada descoberta.

Contudo, eu não estou convicto de estar certo sequer sobre isso!

Bom dia, Vida!

NILSON RIBEIRO É psicanalista, compositor e escritor

nilribeiro63@hotmail.com

#umanjopassouporaqui

#coletivoterceiramargem

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