Uma receita de infelicidade (conto)

José Carlos Fineis

– Mestre – disse o homem com ar de cansado. — Minha mulher está sempre triste. É uma ótima companheira. Eu a amo muito e fico triste por ela. Não sei o que fazer para deixá-la contente.

– Você é rico? – perguntou o sábio, inclinando-se para frente em posição de flor-de-lótus, como alguém que está curioso ou precisa soltar um pum.

– Não, mestre. Pelo contrário. Somos até bem pobres.

– Então, você é romântico? – quis saber o guru.

– Veja bem, sou pouco romântico. Até porque somos pobres. Nunca sobra dinheiro pra um restaurante, um presentinho.

– Sei, sei – meditou o mestre. – Então você deve ser engraçado!

– Como assim, engraçado?

– O homem que não é rico nem romântico precisa ser engraçado, ou logo fica sozinho.

– Não sou engraçado, mestre. O que devo fazer?

– A solução é simples. Conte piadas! Mulheres adoram homens que contam piadas. O riso libera uma endorfina que as predispõe para a felicidade e o sexo.

– Verdade, mestre? Acho que não sou bom nisso. Ninguém ri das minhas piadas. Mas, de agora em diante, vou tentar.

– Isso, filho. Faça um esforço. Se gosta mesmo de sua mulher, trate de contar-lhe muitas piadas.

Dias depois, quem estava diante do mestre era uma mulher de meia idade e olhos tristes.

– Mestre, meu marido é um homem bom. Eu o amo muito. Ele faz tudo para me agradar. Mas sinto que está infeliz e sofro por ele.

– Seu marido é rico?

– Não, mestre, somos pobres.

– Ele é romântico?

– Não, ele não é nem um pouco romântico.

– Então, se o seu marido não é rico nem romântico, deve ser muito engraçado.

– Mestre, para dizer a verdade, ele tem contado muitas piadas, mas não acho graça em nenhuma delas.

– Ahá! Aí está o problema — exultou o guru. — Seu marido é triste porque você não ri das piadas dele. Se você não rir, outra certamente rirá, e ele irá com a outra. Um lar sem dinheiro, sem romantismo e sem risos é como um torrão de açúcar numa chuva de verão: logo se desfaz.

– Que devo fazer, então, mestre?

– Quando ele contar uma piada, finja que acha graça. Faça um esforço sincero. Se tiver dificuldade, lembre-se de algo realmente engraçado, para que o riso pareça natural. Rindo das piadas do seu marido, você fará dele um homem seguro de si. Ele vai querer estar mais tempo com você, dará vazão ao romantismo e poderá, até, tornar-se um homem rico, pois terá mais disposição para o trabalho.

– Jura, mestre?

– Não preciso jurar, minha senhora – disse o mestre, com ar de santa humildade. – Isso vem da sabedoria milenar, que aprendi nos templos do Himalaia, em Harvard e no MIT.

E foi assim que aquele homem e aquela mulher, embora se amassem muito, tornaram-se ainda mais infelizes. Ele, eternamente obrigando-se a ser engraçado. Ela, eternamente obrigando-se a rir.

Imagem de Gary Ross por Pixabay 

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