Crítica: Rua sem saída

JOSÉ SIMÕES – Fazer teatro na ou para a rua não é nada fácil. Isso porque o espetáculo nesse espaço fica à mercê de várias interferências, tais como: barulhos dos carros, das motos, do vai e vem dos transeuntes, das condições climáticas, etc. Isso sem falar nas questões ligadas diretamente ao oficio teatral.

Interpretar na rua requer outro tipo de emissão vocal. O desenho gestual também é diferenciado, afinal, não se está na caixa cênica. O texto deve ter uma carpintaria adequada para enfrentar o desafio da rua.

Todavia é justamente no teatro realizado ao ar livre, nas ruas e nas praças que se encontra o germe da origem daquilo que denominamos a arte do teatro nos dias de hoje.

O teatro nasceu assim! Sem edifício próprio. Enfrentando e aproveitando as condições físicas e climáticas para a cena. Imaginemos quando Romeu pede a Julieta para olhar o céu e ver as estrelas. No edifício teatral Shakespeariano não tinha teto e, certamente, na quando o publico olhava para o céu, maioria das vezes, tinham estrelas. Não é emocionante?

“Rua sem Saída” – espetáculo feito para a rua, com dramaturgia de João Bid, realizado pela companhia teatral Nativos Terra Rasgada, enfrenta estas adversidades da rua e as potencializa na cena.

A situação dramática proposta transporta o nosso imaginário da praça ou da rua para um cemitério ocupado por personagens que não tem mais moradia. A partir dessa realidade – dos sem-teto que ocupam o cemitério para morar – surgem na trama  fantasmas. Os moradores do cemitério passam a reclamar da ocupação. Sentem-se invadidos pelos sem-teto. Eis que, numa corruptela do destino, uma das sem-teto morre e vira fantasma. Muda de lado. A partir daí um sequencia de quiproquós acontecem.

A proposta textual de João Bid é ágil e cria condições para a realização do conjunto de  alegorias, na qual o grupo discute e constrói cenas e diálogos, com forte viés político-social. Nada em cena é gratuito. O riso que emerge das situações inusitadas, apresentadas na peça, transbordam critica social.  Estão presentes temas como a falta de moradia, racismo, o poder das elites, as questões da educação, entre outros . Tudo isso com muito humor.

A direção de Flavio Melo propõe um ritmo ágil no encadeamento das cenas. Utiliza do excesso e da saturação gestual dos atores na construção das cenas. Costura de forma habilidosa as marcações cênicas por meio de gags circenses ou marcações cômicas, a moda da commedia dell’arte, construindo personagens estereotipados para dar conta da alegoria cênica proposta no texto. Nalgumas vezes a encenação perde a espessura, principalmente, nos espaços que ela deveria brotar com mais facilidade – nas ações cênicas poéticas – que são apressadamente atravessadas pelo ritmo proposto pela direção. Cabe destacar no espetáculo o cenário de Adriano Gianola e  os figurinos de Alessandra Rodrigues, em sintonia com a proposta alegórica da direção.

A escolha da direção por “microfonar” os atores pode ser uma saída para enfrentar uma das dificuldades físicas do espaço rua. Todavia quando esta sonorização não é eficiente perdem-se pequenos trechos do texto ou interfere nas intervenções musicas. O resultado, nessa situação, não é bom

Em cena vemos atores e atrizes com desenvoltura e domínio das cenas. O jogo realizado entre os atores deixa claro a familiaridade que eles tem com aquele espaço físico. Há boas tiradas cômicas e improvisações. Os destaques ficam para Rodrigo Zanetti, Tom Ravazoli e Samir Jaime.

Rodrigo constrói a personagem do Barão com boas tiradas cômicas e ritmo. Mantém na personagem o “ranço  social da elite”, possibilitando condições antagônicas para os embates sociais que a trama solicita. Tom Ravazoli e Samir Jaime trazem à cena dois trabalhador matutos, permeados de inocência e espertezas. Tom e Samir formam um dupla hilária. Trabalham seus diálogos e ações físicas no fio da navalha, não deixando que as personagens se transformes somente numa caricatura.

“Rua sem Saída” é um daqueles espetáculos que o amor pelo teatro viceja. Diversão e critica social. Nos mostra que somente a partir da força do coletivo é capaz de produzirmos algum tipo de mudança social. Um espetáculo necessário e atual.

RUA SEM SAÍDA

Coordenação de pesquisa e direção geral – Flávio Melo
Dramaturgia – João Bid
Direção Musical – Jonicler Real
Cenário – Adriano Gianola
Figurinos/Visagismo – Alessandra Rodrigues
Melodias – Gita e Rodrigues Zanetti
Fotografias – Juliana Prestes
Produção – Nativos Terra Rasgada

ELENCO 
Bruna Salatini – Segurança Pública
João Mendes – Negro
Juliana Prestes – Educação
Rodrigo Zanetti – Barão
Samir Jaime – Zé 1
Stefany Cristiny – Zefa
Tom Ravazoli – Zé 2
Vitor Silva – Religião

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