RITA BRAGATTO – Faço parte de uma geração que ouviu, várias vezes, que homem não chora. Hoje, vejo o quanto essa crença teve um preço alto em meu sistema familiar. Meu pai e meu irmão morreram, precocemente, de infarto fulminante. Ok, eles se enquadravam em um grupo de risco. Eram sedentários. Fumavam. Mas, como psicanalista, vejo, principalmente, que tinham um histórico forte de estresse. De lutos não elaborados. De angústias não expressas.
Imagino quantas vezes sufocaram suas dores emocionais. Engoliram o choro. Assim como eles, 7 em cada 10 homens lidam com um distúrbio emocional, em algum nível, e não compartilham esse sofrimento com ninguém. Este silêncio também é quantificado em altos índices de suicídio. Até quando vamos ignorar estes dados e continuar propagando a ideia de que os homens têm o futebol, a bebida e o sexo como as únicas válvulas de escape?
Nossa sociedade ainda vende a imagem de que os homens devem ser fortes. Racionais. Dominantes. Autônomos. Também compõe o “check-list do macho” a independência. O poder. A invulnerabilidade. Em resumo: a busca por uma ajuda, infelizmente, sempre foi vista como um indicativo de falta de masculinidade. Por isso, muitos ainda tentam resolver suas questões por eles mesmos. Entretanto, esse fechamento emocional atua como uma camisa de força, tornando ainda mais difícil tudo que enfrentam no dia a dia.
Não é à toa que o maior índice de casos de suicídio está entre os homens. Muitos ainda veem isso como uma saída ao se sentirem fora de controle e sem possibilidade de compartilhar suas questões. O Centro de Valorização da Vida (CVV) informa que no Brasil, 1,9 mulheres se suicidam para cada cem mil habitantes. Já entre os homens, o índice é de 7,1. Isso é alarmante! É urgente a necessidade de abrir o diálogo para que eles possam falar dos seus medos. De suas angústias. Ou para que possam, simplesmente, chorar.
Tenho vários pacientes homens. Mas ainda é um número pequeno se comparado ao de mulheres. Eles chegam, timidamente. A maioria vem por sugestão da própria esposa/namorada. No início, são um pouco resistentes. Mas ao se sentirem em “ambiente seguro” eles compartilham relatos de violência na infância. Compulsão por sexo. Insegurança profissional. Ansiedade. Traumas. E choram. Choram muito. Tive um paciente que chorou quase uma sessão inteira, compulsivamente, porque o consultório foi o único lugar onde ele se sentiu seguro para fazer isso.
Pensando em ampliar a discussão sobre este importante tema, o Instituto Papo de Homem (PdH) pretende lançar, no fim de agosto, um documentário chamado “O silêncio dos Homens”. O trailer já está disponível no Youtube (veja abaixo):
A partir deste lançamento, eles sonham em ver a criação de grupos de homens atuando de forma independente em cada um dos 5.570 municípios do Brasil. O projeto conta com o apoio da ONU Mulheres, que está ajudando a levar essa mensagem ainda mais longe, fortalecendo a aspiração de trabalhar junto a escolas e instituições de ensino.
“Hoje, 83% das mortes por homicídios e acidentes no Brasil são de homens. Eles vivem 7 anos menos que as mulheres. Dezessete por cento lidam com algum nível de dependência alcoólica. Quando sofrem abuso sexual, demoram em média 20 anos até contar isso para alguém. Cerca de 30% sofrem ejaculação precoce ou disfunção erétil. Homens são 95% da população prisional no Brasil, sendo que a maior parte dos encarcerados são jovens, periféricos e com ausência da figura paterna”, revela o documentário.
“Nosso projeto é dialogar com todos. Surge do ventre de uma imensa rede de coletivos, com pessoas negras, brancas, hetero, não hetero, trans, progressistas, conservadoras, jovens, adultas, velhas, de norte a sul do país. Queremos contribuir para que o tema masculinidade seja pautado de modo construtivo. Não podemos falar apenas do que falta e falha nos homens. É essencial sonharmos masculinidades possíveis, saudáveis. Por isso, mirarmos nossa luz em mapear soluções, não em buscar culpados”, acrescenta.
O documentário é um convite para abrir nossos corações e termos conversas sinceras com nossos amigos, amigas, esposas, esposos, familiares, filhos, parceiros de trabalho. É um movimento para que os homens também tomem posse de sua vulnerabilidade. “Não é um movimento de homens virtuosos e bonzinhos, de caras desconstruídos sensíveis, muito menos de “novos homens”. É de homens comuns”, explicam os organizadores.
Você pode ajudar este movimento abrindo diálogo com os homens que estão próximos a você. De maneira ainda mais efetiva, também pode ser o anfitrião de uma exibição do documentário no dia do lançamento. Os organizadores pretendem fazer um evento simultâneo, em várias cidades do país. Para isso, basta fazer a sua inscrição, acessando este link https://bit.ly/2YylSEZ. Você vai receber o vídeo e mais algumas orientações para conduzir o grupo.
Por fim, já que estamos falando de mudanças que impactam o futuro, é importante ressaltar ainda que a sociedade precisa se conscientizar e ensinar aos meninos, desde cedo, que eles não têm de aguentar tudo. Que eles podem pedir ajuda e que isso não significa ser covarde ou fraco.
Os garotos precisam aprender também que, se eles demonstrarem sentimentos, quando adultos correrão menos riscos de ter um câncer, um infarto, um derrame e até mesmo, pensarem em suicídio. O choro, em muitas ocasiões, é necessário e extremamente saudável. E não pode haver demérito ou vergonha alguma em expressar sentimentos. Muito pelo contrário: esses garotos podem ser os precursores de uma nova geração. Muito mais leve, saudável e feliz.
Rita Bragatto é psicanalista e jornalista
Email: rita.bragatto@gmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/rita.bragatto.escritora/
Assisti o trailer e gostei muito assim como desse texto também
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Que bacana, Alberto. Fico contente. Também achei a iniciativa muito importante. Por isso, resolvi apoiar, auxiliando na divulgação. Precisamos, juntos, quebrar esse silêncio.
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