Fale alto e fale forte antes que roubem a sua voz

GERALDO BONADIO – Bolsonaro mudou a composição do órgão que, no Ministério dos Direitos Humanos, tem a missão de investigar os crimes da ditadura militar (1964/1985) contra quem a ela se opôs. A alteração foi da água para o vinho: a tarefa de representar a Câmara, no colegiado, exercida anteriormente pelo combativo deputado Paulo Pimenta (PT/RS) foi agora delegada a um parlamentar do PSL paranaense para quem o golpe não existiu. O que tivemos em 1964, em seu entender, foi um movimento que livrou o país da ameaça comunista, merecedor, portanto, de solene comemoração. De pessoas que se afinam por esse diapasão dependerá, agora, elucidar mistérios como o das ossadas sem registro encontradas numa vala comum do Cemitério de Perus (SP), trabalho que, com a nova composição do grupo, não será concluído neste século.

Quem nunca teve em sua família alguém que tenha feito oposição à ditadura militar, militado em partido de esquerda e ou se envolvido com a luta armada estará pensando a essa altura: – Não tenho nada com isso. Deixemos o presidente trabalhar com quem nele confiam.

Quando Hitler chegou ao poder na Alemanha, em 1933, Martin Niemoler (1892/1984), não se assustou. Patriota – lutou pelo seu país na 1ª Guerra Mundial, comandando um submarino, e se houve com tal bravura e competência que foi condecorado com a Cruz de Ferro – não estava no foco das ameaças dos nazistas e via até com simpatia a dura posição deles em relação aos comunistas.

A indiferença durou pouco. Ao ver que o fuhrer criara o movimento dos “Cristãos Germânicos” e, com ele, ajudado até por um bispo, estava inoculando nos evangélicos o antissemitismo, que estava na raiz do nazismo, começou a estruturar com o também pastor luterano Dietrich Bonhoffer, mais tarde executado pelo regime, a chamada Igreja Confessante que, recusava obediência ao luteranismo oficial e tornar-se-ia um raro núcleo cristão interno de resistência ao nazismo.

É dele o poema “E Não Sobrou Ninguém”, que os cristãos de nosso país fariam muito bem em ler:

“Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse”

O poema de Niemoller inspirou, em 1964, o jovem poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa a escrever “No caminho com Maiakovski”, que tem um fragmento bem conhecido e muito atual, a saber:

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão e não dizemos nada.

Até que, um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.”

Em nossa terra eles já estão no jardim. No meu, mas também no seu.

Vamos botar a boca no trombone, retomar das mãos indignas dessa gente a nossa Bandeira vilipendiada e resgatar o nosso país, enquanto eles ainda não são fortes o bastante para nos roubar a voz.

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