
Sandra Nascimento
Algumas aves, bem diferenciadas por suas cores e tamanhos, estão sendo vistas frequentemente nas proximidades do rio. Para esta edição, apresentaremos cinco delas fotografadas às margens do Sorocaba na cidade de Boituva, pela fotógrafa Dag Astro. Foram escolhidas por inspirarem lendas, músicas, poesias e por fazerem parte do imaginário popular. A primeira a merecer destaque é o carcará, cantada em versos por João do Vale (1934-1996), cantor e compositor, imortalizado em canções como Carcará (João do Vale e José Cândido), Peba na Pimenta (João do Vale e Adelino Rivera) e Pisa na Fulô (João do Vale e Silveira Júnior).
“Carcará/ Lá no Sertão/ É um bicho que avoa que nem avião…”

Carcará, pega, mata e come
O carcará é ave comum em todo território nacional. Ocorre principalmente no Sudeste e no Nordeste brasileiro. Símbolo do sertão, pertence à família dos falcões e, na região de Sorocaba, é também conhecido pelo nome de carancho ou caracará. Mede de 50 a 60 cm da cabeça à cauda. Come pombas, lagartixas, anfíbios, cobras e carniças. Perto dos olhos, ele tem uma área chamada “cera”, que não possui pena e pode dar indicações de seu instinto alternando a cor. Em repouso, a cera fica vermelha ou alaranjada e, durante a disputa de alimento, ela se torna amarelada.
A vocalização do carcará parece entoar o seu próprio nome. Uma fêmea produz de dois a três ovos, que são incubados por cerca de 30 dias em ninhos feitos no alto das árvores, com galhos e gravetos. Os filhotes deixam os ninhos com três meses de vida. Suas principais características são: plumagem alvinegra, penacho negro, bico curvo, pescoço claro, peito estriado, pés amarelos, asas e dorso marrons. Vive em grupos, aos pares ou solitário. É comum ainda em áreas abertas, campos e pastagens com árvores isoladas. Nome científico: Carcara plancus.

Saracura-do-brejo: três potes, um coco, um coco
Quando um canto ressoa na tarde parecendo dizer “três potes, um coco, um coco”, é sinal da proximidade de uma saracura-do-brejo. A saracura vive em áreas alagadas e de vegetação densa. Gosta de se camuflar na mata, onde é mais fácil escutá-la do que vê-la. Alimenta-se de capim, sementes, frutas, larvas de insetos e pequenos vertebrados ou invertebrados. Mede aproximadamente 39 centímetros. As pernas são longas e avermelhadas. Asas verde-oliváceas. Bico verde-amarelo. Íris vermelhas.
Seus ninhos são construídos nas margens de córregos e rios ou em lugares úmidos. Também chamada de saracura-três-potes, é ave de voo curto e desajeitado. Canta grave e alto, em dueto ou em coro com os membros do grupo. O som produz sotaques variados. Normalmente, prefere passar o dia escondida no silêncio, mas quando amanhece ou em fim de tarde é possível ouvir seu canto. Segundo a crença popular, isso anuncia chuvas. Nome científico: Aramides cajanea.
Uma canção intitulada “O cantar da Saracura”, da dupla sertaneja Tonico e Tinoco, homenageia a ave em versos como estes:
“Seu canto tem a mistura, alegria e tristeza
A flauta que Deus lhe deu pelas mãos da natureza.
À tardinha ela canta, junto à ave-maria,
Ai, outra vez nos encanta, quando vem rompendo o dia.
Saracurinha três-pote, dueto concerto alado,
Saudade feita de pena, lembrança do meu passado.
És a rainha do brejo, de coração e garganta,
Um lírio da madrugada, a flor cheirosa que canta.”

Tucanuçu, a ave do bico grande
O tucanuçu ocorre em todo o Brasil e é também conhecido como tucano-toco. Seu bico é grande e inconfundível, na cor amarelo-alaranjado, com uma mancha negra na ponta. Esse bico é formado por tecido ósseo esponjoso que lhe confere leveza. A plumagem é negra. O uropígio (1) e o papo são brancos. Olhos negros, pálpebras azuis e uma área alaranjada ao redor dos olhos. Come insetos, frutos e pequenos vertebrados. É seu costume saquear ninhos de outras aves para alcançar ovos e filhotes. Normalmente voa em pares e é notado também em visitas a pomares com frutos. Pesa normalmente 540 gramas e mede 56 cm; o bico chega a ter 20 cm. Emite uma série de grunhidos e é espécie sem dimorfismo sexual (2). Nome científico: Ramphastos toco. Na língua tupi, o nome tucanuçu significa “ave de bico grande que faz seu ninho no oco do pau”.
A lenda do tucano-toco
“Conta a lenda dos índios Araras, moradores das margens do rio Mapiá (afluente do Madeira/Amazônia), que há muitos anos os homens não conheciam a rede de dormir. Por isso, na hora do sono, dormiam no chão forrado de folhas secas ou em galhos de árvores como macacos. Porém, num belo dia, o pajé Tamaquaré resolveu se casar com a irmã do deus Jurupari e disse ao poderoso cunhado que a partir desse dia não queria mais dormir no chão e nem em árvores como os outros, porque tinha medo de que sua bela e jovem esposa fosse atacada por animais selvagens.
Jurupari pediu então ao tucano que ensinasse a Tamaquaré a fazer uma rede de dormir. Esse pássaro – que até então tinha um bico pequeno e um canto maravilhoso, além de voar alto e a grandes distâncias – fez uma bonita rede trançada com cipós e a pendurou nos galhos mais altos de uma árvore frondosa. Nessa rede, o jovem casal poderia dormir em paz e em segurança, protegido dos olhares dos outros homens e fora do alcance dos animais ferozes.
Tamaquaré ficou muito contente, recomendando ao tucano que a construção da rede fosse um segredo. Mas, na festa do casamento, o pássaro, que estava muito orgulhoso do seu trabalho, tomou muito caxiri, ficou bêbado e contou a todo mundo sobre a rede. Furioso, Tamaquaré pegou o tucano pelo bico e, puxando-o com força, lançou uma maldição: ‘A parir de agora, você vai ter um bico enorme e um canto feio, como castigo por falar demais. E também terá um voo curto para não descobrir onde vou dormir com a minha esposa.” (Lenda extraída da fanpage Save The Amazônia.)

Gavião-carijó equilibra a fauna
Ave de rapina, o gavião-carijó ocorre em todo o Brasil. É conhecido como “o terror dos galinheiros”, mas é reconhecido como regulador da seleção natural, por evitar a superpopulação de roedores e aves pequenas, como ratos e pombos. Alimenta-se de insetos e pequenos vertebrados. Mede de 31 a 41 cm e o peso varia entre 206 a 350 gramas. Os machos costumam ser menores que as fêmeas. Adultos apresentam as pontas dos bicos negras com a base amarelada. Cabeça e parte superior das asas são amarronzadas. Íris claras. O peito é ferrugem e traz estrias verticais. Ventre, pernas e base da cauda, brancos.
Duas listras negras são visíveis na extremidade da cauda. Suas asas são largas e arredondadas com coloração bege na parte estriada inferior com listras avermelhadas. Tarsos e pés amarelos, garras escuras. O bico é cinzento. Habita florestas, campos e cidades. Costuma viver sozinho ou em pares. É também chamado anajé, indaié, pinhel, além de pega-pinto e papa-pinto. Nome científico: Taguató común.

No Egito antigo, assim como o falcão, o gavião era a representação do Sol (deus Rá) e do deus Hórus. (Figura do falcão Hórus, datada de cerca de 300 a 200 a.C. – Museu de Arte Walters – domínio público)

Martim-pescador-verde
Chamado ainda ariramba-verde, o martim é admirado pela sua capacidade de capturar peixes e crustáceos, enquanto voa rapidamente, próximo à superfície da água. O macho apresenta no peito uma parte cor de ferrugem; já a fêmea tem a mesma área na cor verde. As partes superiores (dorso e cabeça) são verde-metálicas. A base do bico apresenta um colar branco. Dizem alguns que ele costuma trazer sorte para quem o vê e, além de ser escolhido como ave símbolo do município de Florianópolis, esse pássaro também já inspirou analogias e poesias. Nome científico: Chloroceryle amazona.
Entre os que dedicaram versos à espécie, está o escritor e poeta argentino Leopoldo Lugones (1874-1938), descrevendo o mergulho do pássaro pescador.
“Sobre o remanso azul, agudo espreita
De um lânguido galho de salgueiro,
Em eminente inclinação de flecha
À lentidão profunda do aguaceiro.
Ouro de sol pela corrente boia…
E faiscando seu vermelho de arrebol
Identifica o pássaro em sua joia
Verde salgueiro, a água azul e ouro de sol…”
(Leopoldo Lugones, O Martim-pescador)
Fotos: Dag Astro
Notas
- Uropígio – Proeminância carnosa triangular onde se inserem as penas da cauda de uma ave; SOBRE; SOBRECU.
- Dimorfismo sexual – Quando o macho e a fêmea podem ser distinguidos pela aparência externa diferente, como no caso do pavão.
Referências
Luciano Bonatti Regalado, Guia de Campo: Observando as Aves nas Áreas Verdes de Sorocaba e Região; Wiki Aves; apassarinhologa.com.br; fanpage Save The Amazonia.
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