
LÚCIA HELENA DE CAMARGO – Parece um momento adequado para relembrar um filme que fala sobre integridade, compaixão e busca por justiça, atualmente valores pouco cultivados neste País em diversas instâncias.
Em “O Sol é para Todos”, advogado Atticus Finch, vivido por Gregory Peck, assume a defesa de Tom Robinson (Brock Peters), rapaz negro acusado de estuprar a filha branca de um fazendeiro local. Ambientado na pacata cidade de Maycomb (Estado do Alabama), em 1932, a história é contada sob a perspectiva de Scout (Mary Badham), filha de Atticus, de seis anos de idade, que funciona como alter-ego da autora do livro homônimo, Harper Lee.
A menina e seu irmão, Jem (Phillip Alford), de dez anos, são órfãos de mãe. A babá negra Calpurnia ajuda no cuidado e criação das crianças, que passam as férias brincando nas ruas e bisbilhotando o vizinho, Sr. Radley.
Atticus aceita receber em artigos agrícolas, quando os fazendeiros – atingidos pela crise – não têm como pagar por serviços jurídicos prestados.
Olhar inocente
Scout, cujo nome de batismo é Jean Louise Finch, segue como o fio condutor, derramando o olhar inocente sobre tradições e preconceitos. À medida que questiona práticas e hábitos, fazendo perguntas singelas (“Nós somos pobres?”; “Por que você defende negros?”) leva o leitor/espectador a pensar sobre cada um dos aspectos que regem a vida naquele lugarejo. E, por extensão, também sobre as dinâmicas do mundo em geral, cujos elementos de conflito não costumam diferir muito entre as épocas – dinheiro, poder e cor da pele foram no passado e continuam (anacrônica e infelizmente) a ser questões relevantes nas relações humanas.
Uma das maiores qualidades de “O Sol é para Todos” é mostrar como Atticus consegue manter sua compaixão pelas pessoas e a luta pelas causas certas, mesmo no meio rançoso que mistura ódios, medos e ignorância. A direção Robert Mulligan o posiciona sob um foco de luz, vestindo ternos claros, com semblante tranquilo, até mesmo diante da aproximação da horda de fazendeiros raivosos.
Acusação e defesa
Quando começa o julgamento, a população acorre ao tribunal, para ver o embate entre a acusação e a defesa. De um lado, a moça, Mayella Violet Ewell (Collin Wilcox Paxton) e seu pai, legítimo representante da categoria “redneck”, ou seja, típico homem branco morador do interior do país, com pouca cultura, baixa renda e, geralmente, muitos preconceitos. Ela diz ter sido estuprada e agredida, embora não se apresente nenhuma evidência médica ou policial sobre o suposto ato. Mayella esquece os fatos, troca as histórias de lugar, confunde horários e situações.
Do outro lado, Atticus apresenta evidências de que Robinson não poderia ter cometido o crime, por não ter movimentos no braço esquerdo, entre outros impedimentos, temporais e logísticos. Mas ninguém ali parece de fato buscar a verdade. O júri responsável pelo veredito é composto exclusivamente por homens brancos.
Premiações e curiosidades
O romance “O Sol é para Todos” (1960) deu a Harper Lee o Prêmio Pulitzer. O livro é vigoroso, envolvente e admitidamente autobiográfico. Um exemplo da perenidade da obra: em 2006, bibliotecários britânicos classificaram o livro à frente da Bíblia como um “todo adulto deve ler antes de morrer”.
A versão cinematográfica levou o Oscar de melhor roteiro adaptado e de melhor ator, para Gregory Peck, pela atuação precisa.
Curiosamente, o título do filme em inglês é “To Kill a Mockingbird”, mesmo do livro no qual foi baseado. Em um dos diálogos do longa metragem ficamos sabendo as razões de tal expressão. E nesse momento o nome do pássaro (mockinbird) é traduzido como sabiá – que canta e não faz mal a ninguém. Curiosamente, há traduções que apontam outros pássaros como “mockinbirds”: cotovia e rouxinol. Em Portugual, o filme ganhou o título: “Mataram a Cotovia”.
Justificativa pela demora na postagem
Por diversos motivos demorei um pouco a postar neste canal. E um deles é que bateu uma obsessão por ver sobre esse filme e falar sobre ele neste espaço. Não o encontrei em nenhum dos sistemas de streaming disponíveis, não há o filme integral com legendas no youtube. A solução foi comprar o DVD, via Mercado Livre. Não tenho certeza como foi efetuada a gravação. Mas o filme chegou e pôde ser assistido. Missão cumprida. Coincidência ou não (há uma corrente de pessoas que diz que coincidências não existem), a data em que acontece o fato narrado no filme é, assim como hoje, 21 de agosto. Na história, 1932.
Lindo resgate. Vi esse filme há muitos anos e foi um dos que marcaram minha vida para sempre. Finch é o arquétipo da integridade e justiça, disposto a opor-se à ignorância mesmo sabendo que as chances de vencer são mínimas. Parabéns pelo artigo, Lúcia.
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