GERALDO BONADIO – Teixeirinha (1927/1985) foi um dos cantores e compositores de maior sucesso do Brasil. Começou quando os discos ainda eram produzidos em 78 rotações, enveredando, em seguida, pelo mundo nascente do vinil. Foi também o responsável pelo surgimento de um polo cinematográfico, em seu Estado natal, o Rio Grande do Sul, no qual produziu e estrelou nada menos do que quinze filmes. Nada mal para um filho de carreteiro que perdeu o pai aos seis anos de idade, ficou órfão de mãe aos nove e precisou abrir seu caminho na vida por conta própria, apoiado num trabalho musical anterior ao ciclo da música nativista gaúcha.
No livro “Teixeirinha – Coração do Brasil”, em vias de lançamento pela editora Diadorim, o escritor Daniel Feix, apoiado em quinze anos de pesquisa e dezenas de entrevistas, retira Teixeirinha do esquecimento e destaca – de acordo com a resenha escrita para a Folha de S. Paulo (24 dez.) pela jornalista Fernanda Canofre – uma informação até agora desconhecida mesmo dos admiradores do “gaúcho coração do Brasil”: sua ascensão ao estrelato para o sucesso começou em Sorocaba.
Participei do episódio e conto dele alguns detalhes. As decisões, que resultaram na inserção de Teixeirinha no mercado de música popular do Brasil, foram tomadas no casarão da esquina das ruas Manoel José da Fonseca e Miranda Azevedo, em que funcionava a Rádio Cacique AM. Ou, para ser mais preciso, nos cômodos do fundo do mesmo em que funcionavam, lado a lado, a discoteca e o estúdio da emissora.
Ali, depois de ouvir parte dos discos que compunham o conjunto de lançamentos da gravadora Chantecler de agosto ou setembro de 1960, eu, que na ocasião estava discotecário, fui convencido por alguns colegas que lá se encontravam, como os irmãos Univaldo Roberto e o Hélio Germano de Oliveira, e, se a memória não me trai, o José Carlos Nogueira, que o lado a ser trabalhado era o que trazia o “Coração de Luto”. Voto vencido – eu preferia o “Gaúcho de Passo Fundo”, xote gravado na outra face do “bolachão” – tive que admitir, minutos depois, que os colegas acertaram na mosca: nem bem acabamos de levar ao ar a milonga e o telefone da emissora recebeu meia dúzia de ligações pedindo que fosse reapresentada.
Apelidado de “Churrasquinho de mãe”, pelos que não gostavam nem da milonga, nem do artista que a compusera e gravara, “Coração de Luto” era um comovente retrato da vida de Vitor Mateus Teixeira, nascido em Rolante, município vizinho de Passo Fundo, filho de um carreteiro, perdeu o pai aos seis anos de idade. A mãe, dona Ledurina, que assumiu a tarefa de criar os filhos era epilética. Quando Vitor tinha nove anos, teve uma crise quando trabalhava no fogão do rancho habitado pela família e morreu vítima das queimaduras.
Seu trajeto, cheio de tropeços e insucessos, o levara a buscar projeção artística nos poucos espaços de entretenimento de sua região de origem, como os circos que por ali passavam, até que o seu destino se cruzou com o de uma gravadora que acabara de surgir em São Paulo.
No final da década de 1950, a Cássio Muniz, uma grande loja de Departamentos da capital bandeirante, decidiu estender suas atividades à produção e comercialização de discos. Criou, então, a gravadora Chantecler que tinha, entre outros objetivos, constituir um elenco com talentos até então sem espaço no cenário artístico. Entregou a direção artística da gravadora a Diogo Mulero, o Palmeira, que fizera sucesso na música caipira como integrante de um trio composto por ele, Luizinho e Zezinha. Para auxiliá-lo nas novas tarefas, Mulero convocou o itapetiningano Teddy Vieira.
Sintonizada com o gosto do brasileiro, a Chantecler trouxe, para o plano nacional, uma infinidade de artistas que, obtendo sucesso em suas regiões de origem, eram desconhecidos fora das mesmas: Waldick Soriano, Amado Batista, José Lopes, Haroldo José, Nerino Silva, Leila Silva, Marta Mendonça. Aos 78 rpm logo se seguiram os vinis. A percepção de espaços não ocupados no mercado fonográfico levou Palmeira a transformar um paraguaio que trabalhava como engenheiro elétrico da empresa no introdutor, no mercado brasileiro, do gosto pela harpa paraguaia. Durante anos, o lp em que Luiz Bordon – esse o seu nome – solava canções natalinas, foi o mais ouvido em lares brasileiros nos finais de ano.
Sucesso popular da gravadora permitiu a ela realizar, também, experiências de fôlego, como gravar um vinil da ópera “O Guarani”, com a Sinfônica de São Paulo regida pelo maestro Armando Bellardi e outro em que orquestra do maestro Élcio Alvarez, executava peças grandes músicos brasileiros, como Teodoro Nogueira, para viola caipira, tendo como solista Ângelo Apolônio (Poly). Este também dominava – e como! – a guitarra havaiana e vendeu toneladas do 78 rotações em que solava, naquele instrumento, o “Noite Cheia de Estrelas”, de Cândido das Neves.
Voltando ao Teixeirinha. A música folclórica e popular do Rio Grande do Sul, com as exceções confirmadoras da regra, como a trajetória do Conjunto Farroupilha, não tinha acesso ao mercado nacional, embora as gravadoras, sediadas, na maioria dos casos, no Rio de Janeiro e em São Paulo, incluíssem, no repertório de suas duplas e trios caipiras, canções alusivas ao Rio Grande. A música ali produzida, entretanto, só viria se tornaria conhecida a partir da multiplicação dos festivais nativistas, cujos prenúncios foram as pelejas entre cantadores que Barbosa Lessa, de retorno ao Estado natal após vitoriosa passagem por São Paulo, apresentava, nas noites de domingo, no Grande Rodeio Coringa (patrocinado pelo brim Coringa), programa que, através das potentes ondas médias da Rádio Farroupilha era muito ouvido no sul de São Paulo. De todo modo, durante muito tempo o gaúcho de maior sucesso no disco e no rádio foi o catarinense Pedro Raimundo, autor do antológico “Adeus Mariana”.
Outro fator que impulsionou o sucesso de Teixeirinha, em seu Estado natal, foi o “rádio de mourão”, pequenos receptores em que o transistor substituíra a válvula. Pedro Ari Fonseca surpreendeu-se, em visita a um fazendeiro do Planalto Médio, a qual se alongou por várias horas, ao perceber que os peões todos ouviam, em seus radinhos, o programa do Teixeirinha e indagou do amigo estancieiro que emissora transmitia um programa tão longo. Este lhe disse que, sabedores dos horários em que os programas do “Gaúcho Coração do Brasil” iam ao ar, os ouvintes migravam de uma emissora para outra para continuar a ouvi-lo.
O bombardeio de críticos enfatuados e avessos ao Brasil profundo, como Flávio Cavalcanti, não impediu que, durante um quarto de século, ou seja, até seu falecimento em 1985, Teixeirinha cantasse para multidões, não só no Brasil, mas também em Portugal, Espanha, Estados Unidos e países da América Latina.
Feix credita a passagem de Teixeirinha, do sucesso em Sorocaba para o sucesso nacional e internacional a um telefonema do radialista e compositor Oswaldo Audi para a direção da Chantecler – o que é totalmente plausível. Audi, por essa época, era parceiro e interlocutor junto às gravadoras do compositor negro Ataíde Júlio, sorocabano nascido em território que hoje faz parte de Votorantim. Ambos tiveram uma trajetória que há muito vem merecendo uma atenção maior dos nossos musicólogos. O seu telefonema, de profissional atento à realidade, despertou a gravadora para as possibilidades de sucesso de Teixeirinha, imensas, como os fatos vieram a demonstrar. O artista suportou bem os trancos da vida e deixou, como legado, entre dezenas de canções nem sempre boas, versos memoráveis como este que abre uma de suas gravações: “Não há pialo mais forte do que a saudade”.
O dia em que ajudamos Teixeirinha a chegar ao sucesso

Deixe uma resposta