PEDRO CADINA – Personagem vivido no cinema por Tom Cruise tem novo livro no Brasil e será tema de série da Amazon Studios ainda esse ano.
O escritor James D. Grant ao justificar o pseudônimo Lee Child – mais conhecido entre nós pelos filmes de Jack Reacher, estrelados por Tom Cruise – explicou que fez esta escolha porque queria aparecer nas estantes entre os clássicos Raymond Chandler e Agatha Christie. Vinte e três anos após seu primeiro romance (Dinheiro Sujo), a afirmação, que soava somente como uma resposta bem-humorada, traduz exatamente o que é a ficção desse autor que já vendeu mais de 100 milhões de livros: o encontro dos enigmas da literatura policial inglesa com a luta contra o crime nas ruas das histórias do noir norte-americano.
Talvez o melhor exemplo desse projeto literário de Lee Child esteja em Por bem ou por mal, recém lançado no país pela Bertrand Brasil. Trata-se do décimo livro com o ex-policial do exército dos EUA Jack Reacher, que é contratado para resolver o sequestro da segunda esposa de Edward Lane, também um ex-militar e, agora, líder mercenário. No melhor estilo dos thrillers, a história se passa em Manhattan (Nova Iorque) e está repleta de conflitos, suspense, tramas, crimes e guinadas que nos mantém, ávidos, virando as páginas.

Entre os mais vendidos
Os caminhos trilhados por Jack Reacher, renderam a Lee Child, hoje com 65 anos, a publicação em 49 línguas em 101 países, dois filmes (Jack Reacher: o último tiro e Jack Reacher: sem retorno) e um contrato com a Amazon para exibição de uma série a partir desse ano. Em outubro, o autor inglês lançou o mais novo romance com seu herói, Blue Moon, o vigésimo quarto, desde 1997. Todos eles estiveram na lista dos mais vendidos do New York Times, sendo que quatorze apareceram em primeiro lugar por semanas.
Child decidiu se tornar escritor quando precisou ganhar dinheiro rapidamente, após a demissão (1995) da emissora Granada Televison (Manchester, Inglaterra). Nascido em Coventry, ele estudou na King Edward ´s em Birmingham (a mesma escola onde também esteve J.R.R.Tolkien, O senhor dos anéis), formou-se em direito na University of Sheffield, antes de iniciar seu trabalhou na TV, aos 23 anos, escrevendo roteiros para shows, anúncios e pequenos textos.
Um livro a cada 13 segundos
Começou a escrever Dinheiro Sujo em 1º de setembro, data que mantém fixa até os dias atuais para iniciar os seus livros. O romance ganhou o Anthony Awards, um dos mais importantes prêmios para escritores de mistérios, na categoria Best First Novel.

Hoje a série com Jack Reacher vende entre 12 e 15 milhões de livros por ano, ou um exemplar a cada 13 segundos. A franquia é a mais bem-sucedida do mercado editorial, com faturamento anual de US$ 1 bilhão, conforme apontou a revista Forbes quando do lançamento de Blue Moon.
Se no final do século passado Child precisava de dinheiro, com o que ganhou, o autor tem agora o privilégio e a escolha de uma vida itinerante. Oficialmente sua casa está em Nova Iorque, mas dependendo da época do ano mora entre residências na França, no Reino Unido e nos estados norte-americanos do Wyoming e Colorado, esse escolhido por ser liberado o consumo de maconha, que ele admite gostar de fumar.
Beatnik da justiça
Da mesma forma que para seu criador, a vida itinerante é a principal característica do herói Jack Reacher, uma espécie de Beatnik da justiça que viajava pelos Estados Unidos sem destino, com o dedo esticado pedindo carona ou de ônibus. Com seu protagonista andarilho, Child bebe na tradição da ficção norte-americana de “pé na estrada” que motivou não só o grupo de Jack Kerouac, mas também Walt Whitman (Canto da Estrada Aberta), David Thoreau (Caminhando), John Steinbeck (Viajando com Charles), além de Jack London, Mark Twain e Ernest Hemingway.
Jack Reacher é o herói arquetípico, o estranho salvador que vai de cidade em cidade, combate um terrível perigo, recoloca as coisas no lugar fazendo justiça e desaparece. É o protagonista dos far west (quem não se lembra de Shane Os Brutos Também Amam?), das pulp fictions do final do século XIX, que foram a base para Dashiell Hammet e Raymond Chandler escreverem seus policiais alguns anos depois. Child lança mão do mesmo artifício de fechar a história em uma comunidade em risco, usado tão engenhosamente por Agatha Christie, principalmente a partir de O Assassinato de Roger Ackroyd.

Sem parentes vivos e abandonado pela namorada, Jack Reacher é um solitário que viaja por compulsão, somente com a roupa do corpo, uma escova de dentes, sem documentos e com não mais que US$ 2 mil no bolso. De sua vida pouco se sabe: nascido em Berlim nos anos 1960, com 18 anos entrou na academia militar de West Point, serviu como policial do exército até 1997, quando, com o fim da Guerra Fria, foi dispensado com a patente de Major. É um outsider que não recebe e não quer os benefícios da seguridade social dos EUA. E também uma espécie de lenda urbana, que já foi contratado para testar o Serviço Secreto Americano, já se infiltrou na casa de bandidos e já foi sequestrado.
Tom Cruise vetado pelos fãs
Ao contrário de seu criador e dos Beatniks, Reacher não dirige e nem é adepto de drogas, nem das recreativas: café expresso é seu único vício, o que rendeu ao autor Lee Child um contrato com uma torrefação que colocou no mercado o Jack Reacher Cofee – “robusto, encorpado e testado em batalha”.
Jack Reacher se encaixa perfeitamente na definição que Raymond Chandler deu ao herói das histórias policiais em seu ensaio emblemático A simples arte de matar: “(…) o melhor homem em seu mundo e um homem bom o suficiente para qualquer mundo”.
Todas essas características reunidas a uma honestidade orgânica, criaram para Jack Reacher uma legião global de fãs, entre os quais o escritor cult japonês Harumi Murakami (Kafka à beira mar), citado pelo jornal inglês The Guardian. São leitores obsessivos que acompanham Lee Child, criam dias do café Jack Reacher com concursos, abrem fans clubs e… vetam o “baixinho” Tom Cruise (1,77m) no papel do herói. Após protestos dos aficionados por Reacher contra a estatura e a idade do astro de Hollywood, Child e a Amazon decidiram que o ator não será a estrela da série.

Nas 420 páginas de Por bem ou por mal, encontramos um Jack Reacher por inteiro mais todas as habilidades de Lee Child para construir um extraordinário thriller de suspense policial.
O Village como cenário
No início do romance recém lançado no Brasil, Jack Reacher toma um expresso duplo na 6ª Avenida, em Manhattan, quando é encontrado por um problema: a esposa (Kate) e a enteada (Jade) de um ex militar (Lane), estão em poder de sequestradores, que exigem um valor exorbitante como resgate. Child faz da cidade seu cenário, descrevendo o bairro boêmio de Greenwich Village, quando o protagonista procura pelas lojas o comprador de uma cadeira, ou quando um dos carros leva dinheiro aos sequestradores. Também se utiliza do mítico Edifício Dakota, no Soho, residência de Edward Lane, e do metrô da cidade para mostrar uma ousada fuga de perseguição.
É em Nova Iorque e, depois, na Inglaterra que Reacher exibe o mesmo poder de dedução que deu fama a Hercule Poirot, o detetive belga de Agatha Christie. A partir de suas experiências no exército, ele descobre onde um dos sequestradores se instalou para observar a chegada do dinheiro do resgate. Já no final da história, em duas guinadas surpreendentes, ele deduz quem é o sequestrador e depois como as coisas se passaram.
Truque de far west
Quando necessário, Reacher usa sua força para dobrar os adversários da justiça. Ao descobrir seus inimigos em um Saloon no interior da Inglaterra, ele quebra três mercenários deixando-os fora de combate. Nas cenas finais do romance, Jack Reacher mata quatro oponentes, usando facas, armas e um truque comum nos far west: abrir a porta do celeiro de um lado e dar a volta por trás, esperando o oponente do lado contrário.
Lee Child injeta suspense em praticamente todos capítulos, renovando na cabeça do leitor a cada cena a pergunta: “o que vai acontecer depois?” O ponto alto é a entrega de USD 4,5 milhões aos sequestradores. Por dois capítulos, Reacher e o motorista são conduzidos pelo Village, enquanto o ex-policial tenta descobrir o sequestrador, sem que saibamos o que vai acontecer no próximo parágrafo.
Robin Hood e a figura feminina
Em sua jornada, Jack Reacher é auxiliado por Lauren Paulling, uma competente e atraente investigadora aposentada do FBI. Aliás, invariavelmente Reacher é apoiado por mulheres autossuficientes, hábeis, eficazes e oriundas de alguma instancia da lei. O herói de Lee Child gosta de mulheres, com as quais tem uma posição igualitária e de respeito. Seus casos são sempre consensuais e cheios de prazer para ambas as partes.
Ao se deparar com parte da verdade do sequestro, Reacher revela seu lado Robin Hood: decide ir até o fim para conseguir USD 1 milhão e entregar a um ex-combatente mutilado em uma ação mercenária na África. O herói inglês que roubava da nobreza para dar aos pobres é um dos favoritos de Lee Child, que declarou recentemente ao tabloide inglês The Sun: “Há algo fascinante em um nobre lutando em nome de alguém comum.”

O criminoso é o criador
Child constrói sua ficção com capítulos pequenos, na maior parte das vezes centrados em um único ponto, como se fossem pequenos contos. As frases são curtas e a linguagem simples. Ele considera uma verdadeira luxúria um leitor sentado no sofá todos os dias por quatro ou cinco horas dedicando-se a um livro. Dessa forma seu estilo procura se adequar à vida fragmentária de nossos dias, quando o leitor precisa ter claro, sem dúvidas, quem são os personagens, onde estão e qual é a situação no momento.
Por último, vale destacar a qualidade do antagonista de Jack Reacher nesse Por bem ou por mal. O sequestrador está no mesmo nível de inteligência e talento que o herói, transformando cada passo do ex-policial em uma surpresa. Aproximando-se do crime perfeito, a todo momento ele vai deixando pistas em que Reacher acredita, mas com o andar da trama se mostram falsas. O que nos faz lembrar a frase do autor inglês de romances policiais G. K. Chesterton em seu conto A cruz azul: “E julgava Valentin que seu cérebro de detetive era tão bom como o do criminoso, o que era verdade. Mas estava de todo ciente de sua desvantagem: ‘O criminoso é o artista criador; o detetive é só o crítico’, disse com um sorriso amargo.
Excelente. A citação da velha rainha e Chandler me instigaram a leitura. Não há construtor de diálogos como Chandler. Os adjetivos inusitados também se destacam. Vamos sair da telinha e conhecer o verdadeiro Reacher
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