Utopia: trincheira necessária em tempos de distopia

NILSON RIBEIRO (Blog Um Anjo Passou Por Aqui) – Eduardo Galeano, escritor uruguaio, ensinou: a utopia serve para que a gente continue caminhando. É como tentar alcançar o horizonte. Dentro do conceito da utopia existe um sabor de liberdade, de espaço, de movimento. Ao contrário, a distopia é marcada pela extrema opressão, pela privação que leva ao desespero.

É preciso compreender que, sob muitos aspectos, vivemos um tempo sombrio de distopia. Não somente no Brasil, mas também no mundo. As forças conservadoras e reacionárias voltaram a apresentar suas mais perversas garras neste final de década. As artes e as culturas são atacadas diariamente, assim como toda e qualquer ferramenta que proponha janelas de reflexões e de resistência.

Não é necessário nenhum esforço para identificar esse movimento que, em nome da tradição, semeia e cultiva os padrões de retrocesso. A começar pela Educação e seus códigos morais ligados à disciplina militar e à culpa religiosa, como querem nos obrigar a engolir os novos comandantes das pastas ministeriais neste exato momento.

Segundo os códigos da distopia, ler livros (esse amontoado de um montão de muitas coisas escritas) é uma bobagem. Defender os valores ecológicos, de igualdade social ou se colocar ao lado de minorias são atitudes perversamente “comunistas” que merecem ser “metralhadas”. Qualquer posição humanista precisa ser rapidamente combatida em nome de uma moralização tão ultrapassada quanto os modelos de família, Estado e gestão governamental adotados, sempre tendo por bandeira a visão fundamentalista cristã, a mais obtusa desde as fogueiras da inquisição. Ou pior.

De certa forma, assistimos a um “vale-tudo” cujo o único objetivo é a repetição de todas as forças opressoras que historicamente marginalizaram raças, etnias, minorias, castas sociais e gêneros para que oligarquias, patronatos e outros opressores pudessem manter suas posições confortáveis e seus lugares de privilégio.

Há, infelizmente, novas potentes armas usadas nessa estratégia em tempos de mídias sociais capazes de multiplicar discursos fáceis e falsos, mas que arregimentam milhões que ainda não tiveram acesso ao amontoado de um montão de muitas palavras que abrem novas perspectivas.

Para que serve, então, nossa utopia neste momento?

Para o mesmo fundamento vital de sempre: nos manter em movimento. Mesmo diante do lamaçal de ignorância sob nossos pés; mesmo sob a mira das arminhas feitas com as mãos pelos abrutalhados marionetes da violência; mesmo sob o fogo que devora insaciável nossas florestas; mesmo sob o arsenal de mentiras e enganos disparados pelos dedos venais em gatilhos de teclados nas mídias sociais; mesmo sob o infernal bombardeio à imprensa, aos livros, às artes, à cultura, à Educação. Mesmo, e principalmente, ao lado das minorias étnicas, raciais, de gênero; ao lado dos miseráveis, dos explorados, dos oprimidos.

A utopia é a grande trincheira onde mantemos nossa resistência: escrevemos, cantamos, dançamos, amamos. Nos protegemos uns aos outros, nos cuidamos, nos motivamos, nos acalentamos, nos confortamos, mantemos forte a fogueira da esperança, cujo o combustível é a certeza de que a vida não pode caminhar para trás. Não para sempre.

Nilson Ribeiro é Psicanalista e Escritor

nilribeiro63@hotmail.com

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