
LÚCIA HELENA DE CAMARGO – A pandemia de coronavírus levou um coletivo sem fins lucrativos (como este Terceira Margem) de Copenhagen, na Dinamarca, criar o festival “Locked In Film Festival (A Film Festival In Quarantine)”, de curtas sobre diversas formas de morar, para celebrar o confinamento ao qual todos estamos submetidos.
Em nome do bom senso, da preservação da vida e da saúde, já sabemos: ficaremos em casa. Embora o principal mandatário no governo só agora pareça ter começado a entender a gravidade do problema, seguiremos na quarentena, que é o jeito de sair do outro lado vivo e – talvez – mais forte. Para quem não está trabalhando em casa, cuidando de crianças, preparando comida, pode ser uma época de úteis reflexões.
Para o resto de nós que segue fazendo tudo o que fazia antes e mais um pouquinho, resta, entre uma tarefa e outra, buscar informações, pensar sobre os rumos e oferecer dicas de entretenimento. Esse filme “Life, Life in São Paulo”, o único participante brasileiro no festival dinamarquês, traz um olhar sobre a desigualdade social paulistana, ao mostrar um recorte da vida na Ocupação 9 de Julho, no centro da cidade. As imagens do curta são sincronizadas com o poema “Vida, Vida” de Arseni Tarkovsky (pai do cineasta Andrei Tarkovsky).
A direção do filme é assinada por Guillermo Gumucio, Sumaya Lima e Heitor Cavalheiro.
A organização do festival divulga ter recebido inscrição de cerca de 500 obras de vários países de todos os continentes.
O filme brasileiro pode ser assistido em
E este é o poema de Arseni Tarkovsky:
VIVA, VIDA!
Não acredito em premonições, não temo superstições,
veneno e calúnia não vigoram sobre mim.
Não existe morte, senão plenitude no mundo.
Somos todos imortais; tudo é imortal.
Não é preciso temer a morte,
seja aos dezessete ou aos setenta.
Nada há além de presente e de luz;
escuridão e morte não existem neste mundo.
Chegados que somos todos à margem, sou um dos escolhidos
para puxar as redes quando o cardume da imortalidade as cumular.
Habitai a casa, e a casa se sustentará.
Invocarei um dos séculos ao acaso: eu o adentrarei
e nele construirei minha morada.
Sento-me portanto à mesma mesa
que vossos filhos, mães e esposas.
Uma só mesa para servir bisavô e neto:
o futuro se consuma aqui agora,
e quando eu erguer a minha mão,
os cinco raios de luz convosco ficarão.
Omoplatas minhas como vigas mestras,
sustentaram por minha vontade a revolução dos dias.
Medi o tempo com vara de agrimensor:
eu o venci como se voasse sobre os Urais.
Talhei as idades à minha medida.
Rumamos para o sul, um rastro de poeira pela estepe.
As altas ervas agitavam-se entre vapores
e o grilo dançarino,
ao perceber com suas antenas as ferraduras faiscantes,
profetizou-me, como monge possuído, a aniquilação.
Atei então, rápido, meu destino à sela,
ergui-me sobre os estribos como um menino
e agora cavalgo os tempos vindouros a meu ritmo.
Basta-me minha imortalidade,
o fluir de meu sangue de uma para outra era,
mas em troca de um canto quente e seguro
daria de bom grado minha vida,
conquanto sua agulha voadora
não me arrastasse, feito linha, mundo afora.
(Versão a partir de traduções para o inglês e outras línguas ocidentais: Álvaro Machado).
Mais informações sobre o festival e votações:
Lúcia é jornalista.
luciahcamargo@uol.com.br
E escreve também no blog www.menudalu.com.br
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