Outro Olhar: enigmas e labirintos

CARLOS ARAÚJO (Blog Outro Olhar) – A vida pode ser comparada a uma longa viagem. Podemos traçar um roteiro, mas nem sempre o destino pretendido pode ser alcançado. Acidentes de percurso, curvas perigosas, desvios forçados e outros imprevistos podem mudar os sentidos do caminho traçado. E para o viajante, o importante é ir em frente e curtir os bons ventos da jornada.
É com esta apresentação que agradeço o acolhimento dos companheiros de viagem deste coletivo de blogs “Terceira Margem”, graças ao generoso convite do amigo José Carlos Fineis. Permitam-me trazer minha modesta contribuição a este espaço com o nome “Outro Olhar”, como ficou conhecida uma coluna de crônicas que mantive no jornal Cruzeiro do Sul de Sorocaba de 2009 a 2020.
“Outro Olhar”, como a denominação sugere, tem o propósito de ser um espaço de visão particular da vida sem a pretensão de ditar caminhos. Admiro quem sabe elaborar receitas de conduta e felicidade e métodos de superação de problemas, mas quem sou eu, mero aprendiz da existência, para me perder na presunção de que tenho algum conhecimento da vida? Além disso, cada um é senhor do seu próprio destino e tem a liberdade de acionar os rumos da viagem que é a vida na direção que quiser.
A ideia aqui é compartilhar histórias, curtir as novas e velhas amizades, rir de preferência e chorar quando necessário, dividir inseguranças e incertezas neste mundo cada vez mais sem rumo. O tom é o da crônica, essa forma narrativa que atrai pelo molho da conversa ainda que não consiga ir além do monólogo. A crônica, essa invenção considerada menor como literatura mas que foi elevada à condição de obra de arte por mestres como Machado de Assis e Rubem Braga e os mineiros Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade e Paulo Mendes Campos, eternos inspiradores de sucessivas gerações de cronistas brasileiros.
Pretendo postar aqui uma crônica por semana, toda sexta-feira. Começo na semana que vem com a narrativa “Os hóspedes e o vírus”, uma histórica em cinco partes. Iniciada no Cruzeiro do Sul com a publicação das duas primeiras partes, não foi concluída devido à interrupção da coluna por iniciativa do jornal e peço licença para publicá-la na íntegra neste blog.
A postagem semanal dos textos de “Outro Olhar” é uma opção para conciliar o tempo da escrita com outras atividades, pessoais e profissionais, mas também é uma saída para poupar os leitores de possível cansaço com os garranchos deste aprendiz de cronista e operário da literatura.
Como apresentação, começo por dizer que a maior descoberta da minha vida foi o prazer da leitura e o maior susto foi admitir a vocação de escritor desde a infância. Quando disse para minha mãe, aos oito anos, que queria ser escritor quando crescesse, ela me repreendeu: “O que é isso, meu filho? Escritor é profissão de vagabundo.” Na verdade ela queria me proteger e me alertar para futuras aflições, pois achava que no mundo das letras eu podia morrer de fome. E ela estava cheia de razão. Amor de mãe não se engana.
Tudo e todos me desestimulavam a seguir por esse caminho. Quem me via lendo sucessivos romances de ficção dizia que eu ficaria bobo de tanto ler. E realmente este era um universo estranho para um garoto muito pobre que morava na cidade operária de Jandira, na Grande São Paulo, e era filho de pai pedreiro e mãe faxineira, ambos analfabetos. Nesse ambiente, na década de 1970, só o trabalho era valorizado pelo simples motivo de que esta era a única forma de ajudar a família e garantir condições mínimas e urgentes de sobrevivência. A literatura era coisa estranha para o meio em que fugir da pobreza era a maior prioridade.
Fora da curva, o ambiente escolar e o gosto pela leitura me ajudaram muito. A leitura foi minha janela para o mundo. Desde a infância vieram os gibis; depois, os livros de história e filosofia. E vieram os romances de ficção traduzidos de várias línguas, entre clássicos e contemporâneos, desde os autores portugueses aos ingleses, dos espanhóis aos russos, dos franceses aos italianos, dos hispanos aos norte-americanos, dos alemães aos africanos e escandinavos e aos geniais narradores árabes. A compulsão pelos livros tem me proporcionado comparações singulares. Uma delas é a constatação de que a literatura brasileira está entre as melhores do mundo e só não ganha o topo na tradição literária por conta da nossa condição de país atrasado e de língua periférica.
A leitura é um caminho percorrido desde a infância em busca de uma estranha liberdade de ser e de viver na minha vida cheia de prisões em forma de enigmas e labirintos. Decifrá-los é outro desafio e talvez essa dificuldade seja o que dá sentido à escrita num mundo em que a leitura de romances de ficção perde cada vez mais espaço para as postagens da internet e o celular. Não importa. Escrever também é como respirar: você respira e ponto, mesmo que o mundo ao redor o ignore, mesmo que não tenha um único leitor.
Escrevi três romances que pretendo publicar nesta etapa da vida: “A insondável noite de sombras”, “Um brinde ao nada”, “Ainda respiro”. O primeiro é a história de um homem implacável consigo mesmo e com o mundo ao redor e foi concluído há 27 anos. O segundo foi inspirado na história de Suzane von Richthofen, que cobri como jornalista, e está pronto deste 2005. E o terceiro é uma história de amor louco e tórrido concluída neste mês de abril de 2020.
Também escrevo livros profissionalmente como jornalista e estas produções resultaram numa biografia do ex-prefeito Renato Amary e nos livros “Companheiros: a hora e a vez dos metalúrgicos de Sorocaba”, publicado em 2012, e “Linha de Frente: a épica história dos trabalhadores dos transportes de Sorocaba e Região – fortes preparados”, atualmente em fase de edição e programado para publicação ainda em 2020.
Para a conclusão do curso de Comunicação Social na Universidade de Sorocaba (Uniso) em 1999, escrevi o livro “A Estratégia da Raposa”, que conta a história do Centro Experimental de Aramar da Marinha do Brasil, instalado em Iperó, cidade vizinha a Sorocaba. O próximo projeto é selecionar crônicas de “Outro Olhar” da etapa do Cruzeiro do Sul para a edição em volume com o título “Punhais e Flores”. Contos guardados há muitos anos também são reservados para outro projeto futuro.
O jornalismo entrou na minha vida como meio de sobrevivência em 1987. Era uma atividade que tinha relação com a literatura, por meio da qual eu podia viver intensamente, conhecer histórias e diferentes pessoas, e foi a alternativa para ficar no Brasil diante de planos abortados de sair do país para tentar a vida no exterior. Essa mudança de rumo me trouxe à acolhedora cidade de Sorocaba. Antes disso, desde os 12 anos, trabalhei no chão de fábrica, em balcão de bar, fui ajudante de pedreiro e poceiro, office-boy, bancário, corretor de imóveis.
Além de 29 anos de Cruzeiro do Sul como repórter, tenho passagem de mais três anos no jornal O Estado de S. Paulo. E amplo conjunto de trabalhos de assessoria de imprensa para empresas, sindicatos patronais e de trabalhadores, políticos, profissionais liberais. Também sou proprietário da Zeus Produção Editorial, empresa especializada em assessoria de comunicação editorial e digital.
Em 2019, a convite do médico e escritor Edgard Steffem, passei a integrar a Academia Sorocabana de Letras (ASL), onde ocupo a cadeira que tem como patrono o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho.
O futuro de “vagabundo” que assustou minha mãe quando eu disse que queria ser escritor me levou a percorrer esses caminhos e eu espero que essa viagem pulsante continue ainda por muitos e muitos anos. Com a acolhida generosa dos companheiros do “Terceira Margem” e a especial gratidão ao amigo José Carlos Fineis, vamos curtir juntos as novas emoções e as surpresas que se apresentarem a cada curva da estrada da vida. E que a nossa “viagem” seja longa e farta em muito prazer, diversão e amizade.

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