FREDERICO MORIARTY – O jornalista Roberto Silva da Rádio Bandeirantes não perdoou e revelou ao vivo que César Maluco passara mais uma noite na balada. O atacante do Palmeiras entre 1967 e 1974 ficou uma vara.
– O Roberto, por que fez isso?
– Porque você estava na balada, César.
– Eu sei cara. Mas no jogo eu resolvo.
– Sou jornalista. Meu papel é informar meu leitor…
– Você me paga! Você me paga…
Dias depois, o Palmeiras enfrentava o Corinthians. César foi um dos grandes carrascos do alvinegro paulista. A rivalidade talvez seja a maior do futebol brasileiro. Meio da partida, César recebe pela esquerda, parte em direção ao gol e na altura da meia lua, chuta forte no canto esquerdo do goleiro corintiano. Gol do Palmeiras. César era a alegria em campo. Corria, mandava beijos, abria os braços e se dirigia ao fundo do campo. Passou pelas placas de propaganda e correu em direção a Roberto Silva. Abraçou e beijou o jornalista. Repentinamente, César arranca a peruca do repórter, coloca na própria cabeça e sai correndo gritando:
– Eu avisei que acabaria com você….
A família Lemos nos deu três excelentes atacantes. Luizinho, o caçula, foi o maior artilheiro do América-RJ com 311 gols e teve uma longa carreira como técnico de futebol até seu falecimento ano passado. Caio, o Cambalhota, passou por vários times cariocas e fez cerca de 100 gols na carreira. César, o primogênito, chegou perto dos 200 gols na carreira, Não fossem as diversas suspensões e a perseguição de técnicos como Brandão ou Zagallo teria feito muito mais. Pelo Palmeiras, em sete anos ininterruptos, fez 182 gols, sendo o 3° maior artilheiro da história do clube paulista. Vestiu a camisa amarela da Seleção por 14 vezes, disputou a Copa de 1974 e quase não entrou em campo, fruto da teimosia e falta de visão do filhote da ditadura, Mário Lobo Zagallo.

César é carioca e jogava no Flamengo. Um belo dia, o diretor lhe informa que fora emprestado para o Palmeiras. Incrédulo, disse não. Mas não havia mais volta, Ademar Pantera, atacante do time paulista, fora contratado a pedido do técnico carioca. César Lemos foi de contrapeso no negócio. No Brasileiro daquele ano (1967), os dois times perceberam o acerto: Ademar e César fizeram 15 gols cada um e dividiram a artilharia do torneio (até hoje, apesar dos 10 títulos nacionais, esta foi a única vez em que um palmeirense conquistou o feito). César ainda passou seis meses no Flamengo, em 1968, mas a diretoria do Palmeiras não resistiu e contratou o craque em definitivo.


César possuía um estilo de jogo veloz e sempre vertical em direção ao gol. Chutava forte e não era de firulas. Fez parte da Academia de Futebol, um time fantástico com Dudu, Ademir da Guia, Leão, Luiz Pereira, Leivinha. Foram cinco títulos brasileiros. Duas vezes vice na Libertadores e três campeonatos paulistas, entre 1967 e 1974.
César era do tipo raçudo e identificou-se imediatamente com a torcida palmeirense. Em meio a jogadores refinados, de estilo e técnica, César era o sangue e a alma. Nas veias de César jorrava o sangue verde italiano: irascível, incompreendido e irreverente, mas amado pelo torcedor mais simples. De cabeleira longa em plena ditadura, briguento em jogo e de comemorações cinematográficas,
César jogava com duas camisas com a certeza do gol. Quando anotava o tento, arrancava a camisa e corria pra torcida arremessar a relíquia. Noutras, ele subia nos alambrados comemorar com a torcida. Provocador, vez ou outra, ia até a arquibancada adversária e vilipendiava o cadáver derrotado pelo gol. Se jogasse hoje em dia, com esse futebol anódino e higienizador, seria expulso a cada gol.

A imprensa tascou-lhe o apelido, que César não vê com bons olhos: Maluco. Mais por conta das traquinagens dentro e fora dos gramados. César, agora Maluco, era um provocador nato. Seu adversário preferido era o Corinthians. Fazia questão de jogar bem contra o time de Parque São Jorge. Anotou 14 gols em 23 jogos contra o alvinegro.
Era um carrasco de tal grandeza que antes da final do Campeonato Paulista de 1974, perseguido pelo técnico Brandão no Palmeiras, ele foi vendido para o arquirrival. Não adiantou, o Palmeiras venceu o jogo, mesmo sem César Maluco. Desgostoso com a transferência ele fez apenas 12 jogos pelo Corinthians, indo depois para o Fluminense, Santos e Botafogo-SP. Sempre com passagens rápidas e sem o brilho. Naquelas veias correrão eternamente o sangue verde.

César era um “marqueteiro” antes de.sequer existir a palavra. No Paulista de 1970, o Palmeiras iria enfrentar a Ponte Preta de Campinas (invicta no campeonato e no qual acabou vice-campeã). César anunciou a semana inteira: “A Ponte vai ruir”. Veio o jogo e o Palmeiras venceu por 1 a 0, com gol de César. Também em Campinas, mas no estádio do Guarani, o Palmeiras fazia uma campanha irreconhecível e quase foi rebaixado no Paulistão.
No final do jogo acontece um pênalti para o Palmeiras. César pega a bola, vai até o alambrado e grita para os torcedores bugrinos: “Quem quer pegar essa bola? Daqui a pouco meto ela no fundo do gol de vocês”. Bateu certeiro e o gol deu a vitória ao time da capital. César corre sorrindo para o alambrado e joga a camisa para a torcida adversária. Um palmeirense fanático me contou essa história, pois ele estava em meio aos bugrinos e ficou com os restos da camisa. As provocações vinham sempre em jogos decisivos e contra times grandes. Ao contrário de muitos craques que na hora da decisão, da butinada e do vale-tudo, quando o atleta tem de pegar a bola, botar ela debaixo do braço e berrar “deixa que eu decido”, naufragam e amarelam. Vide Messi e Zico.
Aliás, por botar a bola debaixo do braço, César Maluco teve seu pior momento no Palmeiras. O Palmeiras enfrentaria o Corinthians em 1973. Brandão sabia que a torcida corintiana era cada vez mais o 12°, 13° e 14° jogador dum time que estava na fila de títulos há 19 anos.
“ – César, se o Corinthians fizer um gol você pega a bola e esfria a partida” – orientou o técnico.
Dito e feito, gol do Corinthians. César pega a bola e sobe lentamente até o meio do gramado. O juiz começa a se irritar. César grita “calma”. Põe a bola no meio de campo. O juiz apita. César conversa com Dudu e não toca a bola. Novo apito e César solta o “calma!”. Vira para Ademir da Guia e começa a conversar. O árbitro tira os cartões do bolso. “Calma!”, grita uma última vez um César agora irritado. Cartão vermelho e oito jogos de suspensão. Algo inimaginável hoje em dia.
E a via crucis do craque permaneceu. Passados alguns jogos da suspensão, ele acompanhava o time como parte da comissão técnica em Ribeirão Preto. O juiz da partida? O mesmo que o expulsara no jogo do Corinthians. No fim de jogo, o árbitro entra nos vestiários, César se aproxima dele e tenta lhe dar uma cabeçada. Nove meses de.suspensão! Quase um ano fora dos gramados e César perdeu a vontade de treinar. Pra piorar, Brandão pegava cada vez mais no pé do Maluco Beleza. As vésperas do retorno ao futebol em 1974, César manda um aviso à imprensa:
Vão me chamar de Maluco? Vão me chamar de Palhaço? Então pode armar o picadeiro que o César vai voltar e o caminho dele é o gol.
Pobre do São Bento de Sorocaba. No retorno, César fez 4 gols. A imprensa tinha seu astro e ibope de volta.

César Lemos ou Maluco foi daqueles jogadores únicos. Que parecem ter nascido com a camisa do time costurada no peito. E que se identificam com a dor e a vingança da massa que jamais pisará num gramado, mas que irá urrar de alegria com as vitórias do seu ídolo e time. Assim como Marcelinho Carioca no Corinthians, Rogério Ceni no São Paulo ou Serginho Chulapa no Santos. (Pelé é sobrenatural, não conta). Amados e odiados por muitos. César Lemos foi o mais carioca dos jogadores paulistas.
A rivalidade com o Corinthians teve ar de tragédia grega em 1999. Um rapaz corintiano descobre ser o único filho homem de César Lemos. Depois de anos de busca, os dois se encontraram. Jamelão não era um corintiano qualquer. O filho do carrasco corintiano era presidente da Gaviões da Fiel, a maior torcida organizada do futebol brasileiro. César Lemos e Jamelão foram pai e filho por quase 20 anos, afinal o jovem rapaz faleceu precocemente. César costuma contar que só aceitou o Maluco, quando o netinho o chamou de forma carinhosa pelo apelido. César hoje é conselheiro do Palmeiras. Talvez ainda se lembre da passagem abaixo:
Torneio Roberto Gomes Pedrosa (o Brasileiro da época), sábado dia 8 de Abril de 1967. Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o imortal Pacaembu. Frente à frente os dois melhores times do Brasil: Palmeiras e Santos. O príncipe Philip visitava mais uma vez o Brasil. Improvisaram até um palanque para o encontro dele e Pelé, o maior jogador de todos os tempos. Cumprimentos feitos, começa a partida na ensolarada capital paulista. Aos 25 do primeiro tempo, o jovem atacante carioca César Lemos (ainda sem o apelido de Maluco) abre o placar. No segundo tempo, nascia o segundo gol do alviverde e novamente de César. O Santos ainda diminuiu com Buglê. Mas ficou nos 2 a 1 para o Palmeiras. No dia seguinte, a Gazeta Esportiva estampava a manchete:
O PRÍNCIPE VEIO VISITAR O REI E CONHECEU CÉSAR
Por toda essa história acima e a dedicação até hoje ao Palmeiras, César ainda é, para muitos torcedores, o maior atacante que passou pelo Parque Antarctica (Evair que me perdoe).
Feliz 75 anos, César Lemos!

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