A raiz peninsular dos molhos carbonara e pesto, as pastas e os vinhos certeiros para devorá-los em casa nestes dias gelados de quarentena

MARCO MERGUIZZO – Nestes mais de cem dias de quarentena e de isolamento social por conta da Covid-19, muita gente buscou reinventar-se nestes tempos de clausura doméstica, a começar pelo trabalho de home office. Já nas horas livres, alguns foram estudar, ouvir boa música, ler ou reler livros impressos no papel, um prazer à moda antiga, ou nas telas dos tecnológicos e ultrafuncionais tablets e notebooks.

Outros, ainda, foram curtir algum tipo de hobby, desenvolver habilidades ou resgatar talentos há tempos adormecidos, como, por exemplo, o alegre e restaurador prazer de cozinhar. Como o comilão que vos escreve, o companheiro aqui do Terceira Margem, o professor de Filosofia e dublê de cozinheiro nas horas vagas, Marcello Fontes, do blog Em toda e nenhuma parte, costuma arriscar-se no fogão, sobretudo nos fins de semana para seu próprio deleite e o da esposa.

Na última vez que Fontes colocou a dólmã e o avental de chef, ele preparou em casa um instigante spaghetti à carbonara — clássico dos clássicos da culinária romana e um dos símbolos mundiais e mais reverenciados da buona tavola italiana.

Se não bastasse em não me convidar para provar este maná celestial, fotografou e me enviou a imagem do prato opulento, via WhatsApp (uma tremenda provocação!), fustigando minha curiosidade e futucando com vara curta minha gulodice inata.

Mais: me indagou se eu gostava da receita original ou a versão brasileira, esta última adaptada pelos imigrantes que vieram para cá na virada do século 19 e ao longos do 20, e reproduzida por seus descendentes, geração após geração, como este blogueiro, que é oriundo, e cuja avó é natural da cenográfica comuna de Alto Adige, no Norte da Bota, fronteira com a Áustria. Respondi de pronto ao professor: Ora, ambas! Mas cá entre nós: que ninguém natural da península itálica me ouça ou leia isso aqui.

O milenar e irresistível queijo pecorino produzido na Sicilia…
… e prosciutto di Parma e San Danielle: joias da buona tavola italiana

Explico: assim como os franceses, todo italiano tem um enorme orgulho da monumental tradição culinária e gastronômica de sua pátria, por sinal, tanto uma quanto a outra, reverenciadas e respeitadas no mundo todo. Portanto, mais do que orgulhosos de seus respectivos legados à mesa, ambos são extremamente ciosos e zelam por manter sempre vivas as raízes e a autenticidade de suas iguarias.

Ou, em outras palavras, se uma a receita pede parmesão, não se engane: é o legítimo de Parma, não há outro sucedâneo ou cópia que chegue sequer próximo da qualidade do verdadeiro produzida naquela localidade da Emiglia Romagna.

O mesmo vale para o prosciutto, o culatello di zibello e sua inigualável salumeria (ou charchutaria). E se estende às estupendos pastas, queijos, sorvetes e risotti. E no departamento das taças, os inigualáveis Barolos, Brunellos de Montalcino, o spumanti Franciacorta, os supertoscanos e por aí vai. Tive o privilégio de conhecer de perto numa viagem que fiz para lá, anos atrás, alguns produtores dessas maravilhas da esplendorosa mesa peninsular.

Carbonara: sabor único, múltiplas origens

Uma combinação celestial que reúne uma pasta de fios longos mais pancetta defumada e curada, ovos, queijo pecorino e pimenta-do-reino preta. Festejada na Itália e fora dela, a receita original, a vero (a verdadeira) do spaghetti à carbonara é a união gastronômica perfeita entre carboidratos, proteínas e gorduras. Um prato único, delicioso, rico e barato ao mesmo tempo, perfeito para ser feito em casa a qualquer época, mas sobretudo quando as temperaturas caem e durante a “cemssetena” (a quarentena que ultrapassa os 110 dias), já que é uma receita substanciosa, vigorosa, que alimenta de verdade, além, claro, de ser saborosamente irresistível.

Salsa alla Carbonara: obra-prima culinária que nasceu da necessidade

Além do seu sabor incomparável, a simplicidade e a praticidade são outros predicados culinários deste clássico da boa mesa peninsular, já que o seu preparo requer tão-somente uma panela para cozinhar a massa e um molho simplérrimo que, nos seus primórdios, era servido frio sobre os spaghetti super quentes. Além disso, vale lembrar, os ingredientes podiam ser conservados por um longo período fora da geladeira. Saborosa panaceia à mesa que agrada a gregos, troianos e comilões do mundo todo e não só os seus autores anônimos que intuitivamente tiveram a ideia de criá-la.  

Ainda hoje, muita gente pensa que a receita da pasta alla Carbonara seja típica de Roma e da região da Lazio. Ou que sua origem ancestral seja milenar, proveniente do antigo Império Romano. Ledo engano. Inspirada talvez pela necessidade de alimentar os carbonari – profissionais vindos de classes sociais mais humildes que trabalhavam na dura labuta do carvão e precisavam se alimentar com uma refeição simples mas substanciosa e nutritiva – teriam sido eles, a popularizar o termo. Isso não tem nada a ver com as raízes do prato, no entanto.

Segundo historiadores, culinaristas e pesquisadores italianos, sabe-se que, até 1945, não havia sido encontrada nenhuma receita de Spaghetti alla Carbonara nos livros de cozinha, diários de chefs, roteiros turísticos e matérias culinárias publicadas em jornais, nada, nada, nada. Conclusão: a origem do prato não é, portanto, lá muito antiga. Mas existem muitas lendas acerca da provável raíz culinária e matriz histórica da receita.

A primeira relata que um certo Ippolito Cavalcanti (1787-1859), cozinheiro e literato napolitano do século 19, cita no seu livro La Cucina Teorico Pratica, de 1837, um prato muito popular naqueles idos: a “pasta cace ‘e ova”. Lembra em alguns aspectos o carbonara, porém, a receita não leva guanciale (tipo de bacon não defumado nem tampouco a reverenciada pancetta peninsular, curada e seca.

Comida de rua: thank you, yankees!

Baci e pasta (Fotos: Getty Images e bancos digitais de imagens gratuitos)

Tudo leva a crer, portanto, que a receita da pasta alla carbonara nasceu durante a 2ª GG Mundial, mais precisamente em 1944, quando as tropas americanas permaneceram de prontidão na Sicília, para em seguida libertar Roma do exército nazista de Hitler. Nas folgas, os soldados lotavam as ruas, bares e restaurantes de Nápoles e, além de apreciarem as belle regazze (belas moças) apreciavam também o “cibo da strada” (comida de rua) dos becos estreitos e das ruas sinuosas da cidade.

Como tinham racionado ovos e bacon para seu próprio provisionamento em território da Bota, aproveitaram para doar parte do farnel para a população faminta. Leda urbana ou não, dessas circunstâncias de guerra e de carência alimentar peculiares, teria nascido uma das receitas mais populares e apreciadas da gastronomia da Bota.

Vale lembrar que a massificação do spaghetti de strada (ou de rua, em bom português), ocorreu no final do século XIX, com a figura dos venditore (vendedor) di spaghetti  – primeiro exemplo de fast food italiano – o restaurante dos pobres e dos trabalhadores. Com o fogão atrás de um balcão, o vendedor de spaghetti puxava a massa com um ‘garfão’ e a colocava num prato, acrescentava o pecorino ralado e salpicava-o generosamente com pimenta-do-reino.

O cliente pegava os spaghetti com as mãos e os comia assim: fato e mangiato com le mano. O clássico filme de 1958, Miseria e Nobiltá (Miséria e Nobreza), do mais famoso ator cômico italiano Totó (Antonio de Curtis de Bisanzio, 1898-1967) retrata bem essa época de pós-guerra e de inúmeras dificuldades de sobrevivência do povo italiano (veja a cena no final do post).

Os soldados americanos teriam sido os co-autores das primeiras receitas

Nele, o comediante, que é siciliano da gema nascido na capital, pega a pasta com as mãos e joga direto na boca, devorando-a sem a menor cerimônia, numa cena antológica divertidíssima. Espelho daqueles tempos duríssimos que no inconsciente coletivo peninsular significava compartilhar, como contraponto, a comida farta com extrema alegria e satisfação, uma característica típica dos italianos e de seus descendentes, além de demostrar o lado mais pitoresco de Nápoles. 

Reza a lenda, portanto, que um soldado americano teria pedido o prato e o achou pouco proteico e não muito saboroso para o seu gosto. Mas em vez de recusá-lo, acrescentou à massa, tudo o que ele mais gostava: ovos em pó, bacon e creme de leite. Provou e aprovou a nova invenção. Os napolitanos a seguir também o fizeram e incorporaram a ideia, porém aperfeiçoaram a receita com os incomparáveis ingredientes locais.

Totó e a famosa cena do filme Miseria e Nobiltà: mangia che te fa bene

Outra variação dessa história é contada exclusivamente pelo italiano oriundo de Nápoles, que diz que uma mamma teria recebido dos americanos uma certa quantidade de comida e juntou tudo no Spaghetti Cacio e Pepe, mesmo sem saber o que havia misturado, já que não sabia ler as etiquetas em inglês. Nascia, assim, de modo improvisado e iletrado, o Carbonara. Em 1946, já havia registros de se encontrar a pasta alla Carbonara em algumas osterias do porto e nas regiões mais populares de Nápoles.

Tal hipótese foi extraída da Enciclopédia da Gastronomia, de Marco Guarnaschelli Gotti: na Roma pós-guerra, a penúria alimentar era enorme e um dos poucos recursos que se tinha eram as rações militares distribuídas pelas tropas aliadas. O farnel era composto de ovos (em pó), bacon (pancetta defumada), chocolate, barras de cereais, etc.

Alguém, espertamente, teve a ideia de criar um molho à base de ovos, leite e perfumá-la com bacon e pecorino e – voilá! – eis aí a tentação que teria matado a fome da milhares de romanos. De outro modo, isso seria o que os italianos chamam de “eresia”, ou heresia, em bom português, que é colocar o bacon no lugar da pancetta, o ovo cru agregado na receita por último e o creme de leite integrar a receitas como um dos ingrediente “intruso”.

Sabor cujo nome vem de carvão

Na década de 30, carvoeiros nos arredores de Roma (Rivista Stampa)

Outra hipótese para a origem do termo carbonara vem de carbone (carvão, em português), daí uma ligação entre eles os carbonai (carvoeiros) de Roma e esse celebrado molho. A lenda diz que o método de cozimento da pasta era muito popular entre os carbonai romanos, ou seja, os homens que trabalhavam nos bosques, carbonizando a madeira para produzir carvão.

Da mesma raiz etimológica provém outro termo: carbonaro – a pessoa que limpava as chaminés na capital italiana. Reza a lenda que quando um deles aposentou-se abriu uma osteria (espécie de cantina italiana) e começou a servir um prato parecido com o da receita atual, chamando-o de Carbonara, em homenagem ao trabalho que exercia.

Mas ambas as histórias não são lá muito convincentes. Primeiro porque não havia bosques e carvoarias no entorno de Roma e segundo, os carbonai trabalhavam só em algumas épocas do ano e viviam longe de casa por vários meses com pouco acesso a ovos frescos e demais ingredientes. Imagina-se, então, a dificuldade para encontrá-los para preparar um simples almoço.

Uma variação romana bastante famosa mas pouca difundida fora do Lazio foi elaborada para aqueles paladares exigentes e mais sensíveis, cuja receita inclui o presunto no lugar da “pancetta”, além de creme de leite e parmesão em vez do pecorino. Essa receita, digamos, mais suave e “delicada” foi feita especialmente para os sumos sacerdotes do Vaticano, cardeais e, claro, para Sua Santidade.

Batizado de fettuccine alla Papalina, esta versão leva presunto cozido (algumas vezes, cru, no lugar da pancetta), cebola, creme de leite e o parmegiano reggiano (nome comercial do autêntico parmesão) no lugar do vigoroso e imperativo pecorino. Igualmente aplaudida, esta segunda variação do carbonara, embora não sendo a original é bastante apreciada no Brasil. Como comilão de carteirinha, aprovo e devoro ambas sem pensar.


Roma, Nápoles… Afinal, o molho carbonara é uma criação oriunda da região do Vêneto?

Vêneto: berço do romance de Romeu e Julieta mas não do Carbonara

Pai de filho feio e pobre ninguém assume, mas do contrário há uma legião de papais, genitores, madrastas e padastros. Caso, na gastronomia, do molho carbonara. A sempre antenada revista italiana de gastronomia e turismo Vie del Gusto publicou anos atrás a matéria com o título: “Polesine, o Carbonara nasceu aqui há 107 anos atrás!” A publicação assegura que não é nem Roma e tampouco Nápoles, e, sim, a pequena cidade de Fratta, na província de Rovigo, no Vêneto, norte italiano, o berço não só do romance de Romeu e Julieta e do Amarone (leia o post, clicando aqui), mas do carbonara.

Segundo a revista, a iguaria teria sido popularizada por um grupo de carbonari (carvoeiros) locais, durante a folgas de trabalho comiam a iguaria na casa de uma nobre chamada Cecilia Monti. Na Osteria delle Tre Corone, na mesma cidade, também havia reuniões secretas dos carbonari. Em relação a esta receita de os romanos apontam de imediato que a carbonara preparada nas comunas do Norte do paese leva menos ovos e creme de leite, além de menos quantidade de pasta do que a receita romana.

Histórias, versões e personagens à parte, tudo leva a crer, no entanto, que a criação seja napolitana. E como se diz no jargão jornalístico, a revista comeu uma senhora “barriga”, criando esse factoide gastronômico e ampliando assim a mística que cerca o prato.


Sua majestade, o molho pesto

Basilico, azeite extravirgem e pinoli: a santissima trindade do pesto

O pesto nasceu da vontade dos genoveses, de valorizar o produto-símbolo da província da Ligúria, no Noroeste italiano: o basilico, parente do nosso manjericão, mas infinitivamente superior, de aroma inebriante e sabor concentrado. Conhecida desde a antiguidade por indianos, gregos, egípcios e romanos, é da Itália, no entanto, que provém, o melhor manjericão do mundo, já que a planta encontrou as condições perfeitas na península itálica, em especial, no terroir da Ligúria, a melhor expressão de seu sabor e perfume peculiares.

O valor cultural deste molho tipicamente italiano é tão grande que, tanto o basilico ligure quanto o pesto produzido por lá tornaram-se produtos D.O.P. (Denominação de Origem Protegida). O termo pesto vem do verbo italiano pestare, que significa socar, pisar. Instrumento indispensável, o pilão de pedra ou mármore, de bom tamanho. Quer dizer, bem maior do que o pilãozinho onde, nas cozinhas brasileiras, soca-se implacavelmente o alho.

Trata-se de adicionar o braço, potente, para reduzir à pasta homogênea um punhado abundante de manjericão (penso em quatro pessoas a serem servidas), 50 gramas de parmigiano reggiano, 50 gramas de pecorino, um punhado de pinois (na falta de pinois, nozes). Em tempo: não confunda o nosso manjericão, cultivado aqui nos trópicos e sucedâneo do basilico verdadeiro, o italiano, proveniente de Gênova.

Do basilico socado no pilão de mármore nasce o inebriante molho pesto

Alho na receita? Nada, ou, se tanto, meio dente. Acrescente um pouco de água, se preciso, para obter homogeneização de pasta. Falei em braço, digo, do pilão, conectado ao seu, por meio de mão de ferro. Três colheres de azeite. Em lugar de spaghetti ou tagliatelle, use linguine. Que las hay, las hay. Importadas da Bota. Aos domingos, sugiro o pesto avvantagé, que acrescenta à massa batatas cozidas em cubinhos e vagens. Coisa de pobre que se esbalda em dia de festa. Sublime. Salivante. Resista se puder.


Pares perfeitos na taça

Tintos, brancos e espumantes que casam bem com as receitas

Costumo dizer que vinho bom ou o melhor tinto, branco, rosé e espumantes são aqueles que, além de agradar o paladar da gente cabe em nosso bolso. Mas é claro que no jogo de combinar vinho e comida, há princípios básicos de harmonização. Nada impede, no entanto, que você saboreie o seu prato e vinhos do jeito que melhor entender.

Mas, antes das dicas, vão aí algumas noções rápidas de casamentos bacanas à mesa. As combinações podem ser por origem (região do prato e terroir do vinho), cor (idem, semelhança cromática), peso e intensidade de sabores, modo de cocção, etc. Em geral:

  • Vinhos brancos combinam com alimentos menos coloridos, como as carnes brancas de peixes, aves e frutos do mar, e pratos com molhos igualmente brancos.
  • Já os tintos combinam com alimentos mais “escuros”, como carnes vermelhas, molhos de tomate, de tonalidades mais escuras e, claro, molhos feitos com o próprio vinho tinto.

Sobre este último conceito, alimentos e vinhos têm peso, e ele deve ser levado em conta numa harmonização. Um vinho potente vai atropelar uma comida leve e o contrário também é verdadeiro. As proporções de um e outro devem ser parecidas. Grosso modo, sabores delicados pedem vinhos delicados. A gente sabe quase naturalmente o que é uma comida leve ou pesada. Ou seja, comida simples pede vinho simples, logo, comida elaborada, rótulos mais estruturados.

O componente principal do molho também é uma coisa preponderante e crucial na hora de analisar o que combina com o quê. Confira, abaixo, 10 dicas bacanas (não são regras) que eu reuni ao longo dos anos como avaliador de restaurantes e de vinhos, para você se dar bem na próxima vez que for harmonizar:

1) O modo de cozinhar/preparar é tão importante quanto o ingrediente. As possibilidades de harmonização para uma carne assada ou frita são diferentes se ela for cozida ou ensopada, 

2) Leve em consideração o “corpo” da receita. Se é um prato leve, pesado, e a intensidade de sabores.

3) Acompanhamentos e molhos podem mudar a harmonização. Aqui, pense no clássico spaghetti alla carbonara. O palato não vai pedir o mesmo tipo de harmonização que um talharim com frutos do mar ou com um molho ao sugo, ou bechamel, ou putanesca etc. 

Queijo e vinho: a mais desejada e complexa das harmonizações

4) Confie nas combinações regionais tradicionais. Existe uma combinação clássica para o prato que você está prestes a saborear? Um boeuf bourguignon francês, por exemplo, já foi milhares de vezes testado ao lado de um bom Pinot da Borgonha. Assim como leitão ao lado dos tintos da Bairrada. Ou, ainda, ostras com Chablis, massa ao ragu de carne com Chianti, queijos de cabra com Sancerre, entre outros clássicos da gastronomia mundial. Ou seja, se existe uma harmonização consagrada, já testada milhares de vezes, ponha fé nela se não quiser ficar inventando. 

5) Não pense só em harmonia, mas também em contraste. Nem sempre os opostos se repelem. Há exemplos clássicos de vinhos doces que geram harmonizações campeãs com ingredientes salgados, como, por exemplo Sauternes e foie gras, ou um belo pedaço de queijo Stilton e vinho do Porto. 

6) Leve em conta a acidez do vinho. Uma das “regras” de harmonização diz que os vinhos precisam ser mais ácidos que a comida. Isso se deve à sensação de limpeza na boca. Um vinho com boa acidez faz salivar e ajuda a limpar o palato entre uma garfada e outra. 

7) Compreenda a importância dos taninos. A “regra” de vinho tinto não combina com peixe deve-se muito ao fator taninos. Peixes e frutos do mar tendem a adquirir um gosto metálico pela reação dos taninos com o iodo. E isso mata qualquer chance de harmonização. “A percepção do tanino é afetada pela presença de sabores amargos (aumentando), ácidos (aumentando) e doces (reduzindo). Os alimentos gordurosos tendem a criar uma barreira entre os taninos e as papilas gustativas reduzindo significativamente sua ação. Assim, as carnes animais são o paraíso para os taninos.

8) Equipare a doçura do vinho com a da sobremesa. Nos vinhos doces, também vale o conceito de intensidade, não só de corpo, mas de dulçor. Uma sobremesa muito adocicada e melada, como um bolo de chocolate, por exemplo, vai sobrepujar um vinho de sobremesa mais leve. Em compensação, esse chocolate pode muito bem ser acompanhado de um Porto ou de Moscatel de Setubal, ambos dulcíssimos. 

9) Evite ingredientes complicados. Sim, há ingredientes que são de difícil harmonização. Preparos que levam ovo cru, por exemplo, são bastante complicados, pois a textura do ovo tende a suplantar a acidez de qualquer vinho. Aspargos, alcachofra, pimentas, picles e condimentos similares, preparações com curry e shoyu.

10) Na dúvida, escolha os chamados “vinhos gastronômicos”. Não sabe exatamente que tipo de vinho seria melhor para uma determinada receita? Não se arrisque e combine com vinhos ecléticos,  denominados de gastronômicos. Em geral, são tintos e brancos com maior acidez, já que esta aumenta a produção de saliva, ajudando a quebrar a cadeia de nutrientes. Mais e melhor: a acidez tem a capacidade de destacar os sabores dos pratos.

Além disso, ameniza o sal, combate a gordura, ‘limpa’ o palato e a língua e dá a estrutura necessária ao vinho. No caso dos espumantes (sobretudo os de estilo brut), são verdadeiros curingas na taça. Mas também pode-se optar por bons brancos ou alguns tintos não tão encorpados como os tintos moldados com as uvas tintas Pinot Noir, Merlot, Cabernet Franc, Tempranillo e Sangiovese.

A partir de todos estes princípios, acima, recomendaria para fazer bonito com o carbonara um branco de corpo médio e boa acidez, um bom espumante nacional ou um prosecco italiano de qualidade. Já para harmonizar com o molho pesto, minha dica é apostar num vinho branco de corpo médio, com boa acidez e frescor, sem passagem por madeira.

Pode ser um sauvignon blanc chileno, um torrontés argentino ou um chardonnay brasileiro. Reza a tradição ligure, acompanhar este clássico com um vinho branco igualmente regional feito com a uva vermentino, de paladar fresco, salivante e saborosamente f,utado tanto no nariz quanto em boca.

Vai bem também um bom espumante brasileiro, de tipo brut ou um spumanti italiano de boa procedência, ou seja, um prosecco (que é o nome da uva que se faz o espumante na região de Valdobbiadene) ou, máxima sofisticação, um Franciacorta de estirpe, produzido na Lombardia.



Tal pasta, tal molho

Sem invencionices: uma boa massa pede sempre um bom molho. E, nessa combinação, o clássico continua a reinar absoluto

Se a pedida for um bom molho para enriquecer o prato de massa, esqueça as modernidades, vale sempre a tradição, o que é clássico, como regra. Não tem como errar. Mas o que não dá para negar é que a velha receita de mamma, simples e rústica, com um toque de chef, pode ganhar muitos pontos e, melhor, sem perder a essência. Abaixo, alguns conceitos e dicas culinárias práticas para tirar o melhor de um prato de massa para combinar com diferentes molhos mas que também podem valer para todo tipo de receita.

Regra No 1: use sempre produtos de qualidade

O fator vital para o sucesso de uma receita é o ingrediente. Por mais que pareça clichê, a qualidade está sempre em primeiro lugar. Produtos frescos, artesanais e da estação costumam ser os melhores. 

Alho

Refogue-o em azeite e, ao dourar, retire-o da frigideira. O seu papel é apenas dar aroma à receita.

Água

Se possível, use água mineral, isso evita um possível gosto de cloro.

Louro, noz moscada e temperos em geral

Use, mas não abuse. Em pequenas doses, ajuda; em excesso, estraga o molho.

Sal

Utilize sempre no final, para fazer correções.

Hora certa de saborear

Depois de finalizado, sirva imediatamente e em prato aquecido, para resguardar o frescor dos ingredientes.

Molho carbonara

Cebola

A dica é usá-la ralada e não picada.

Ovo

Use apenas as gemas, que confere delicadeza e refinamento à receita. É importante peneirar, para evitar aquele “cheiro de ovo”.

Queijo

Deve ser ralado finamente. Use metade na execução da receita e metade ao servir.

Creme de leite

Substitui a manteiga e dá mais cremosidade. Se puder, use o fresco. Ainda melhor se encontrar o semi-desnatado.  

Bacon

Pode ser substituído por pancetta ou speck (embutido defumado da parte superior da perna de porco). Corte em cubos, em vez de tiras, para liberar mais aromas.

Molho de tomates

Tomate

É muito importante escolher o tipo ideal para o molho. Para começar, deve estar bem maduro. E, dentre as inúmeras variedades, prefira os mais alongados como o italiano, ou os sob a forma de ovo, que geralmente são mais suculentos e a cor, mais intensa. Faça uma pré-lavagem, apenas com água e seque-o bem antes de levar à geladeira. Ao preparar os tomates pelatti (sem pele), não despreze as sementes. Peneire-as e utilize o suco que formar na receita. O molho ganha corpo, fica mais “carnudo”, sem falar no sabor apurado.

Acidez

Para equilibrá-la, com a ajuda de uma colher, retire a espuma que fica na superfície do molho. Em seguida, se realmente precisar, coloque pitadas de açúcar. 

Ponto certo

Em geral, leva uns 40 minutos no fogo. Quando começar a formar espuma na superfície, retire-a com o auxílio de uma colher. Está pronto quando não tem mais aquele gosto de tomate “cru”.

Durabilidade

Três dias na geladeira. E, congelado, até três meses no freezer.

Opções

O molho de tomates é uma base de grandes molhos italianos. Para o ao sugo, basta batê-lo no liquidificador e peneirá-lo. No alla putanesca, adicione anchova, azeitonas pretas e alcaparras. No matriciana, bacon e salsinha.

Molho bolonhesa

Carnes

Prefira as sem gorduras e com poucas fibras. Caso contrário, limpe-as bem. Pique a carne com uma faca bem afiada, pois o moedor deixe a carne, muitas vezes, com uma consistência mais pastosa. Tempere com sal e pimenta-do-reino preta, que é mais forte e combina melhor com carne. Se desejar um toque especial, salpique folhas de orégano fresco, que devem ser “esfregadas” ao ir à panela, para soltar sabores.

É importante adicionar a carne pouco a pouco, com espaços de tempo, para não juntar água. Deixe cozer um bom tempo para intensificar o sabor.

E uma última dica: para enriquecer este molho com bacon, adicione o ingrediente, mas em pequenas quantidades, pois o sabor que deve imperar é o da carne.

Molho pesto

Manjericão

Se tiver tempo, experimente macerá-lo no pilão, para preservar seu inconfundível e delicioso aroma. Na pressa, opte pelo processador ou liquidificador, mas a lâmina metálica desses utensílios pode mascarar um pouco o sabor da erva.

Azeite

Use sempre o extra virgem e de excelente qualidade. A dica é colocá-lo aos poucos, para liberar aromas.

Pinoli

Pode ser substituído por nozes, amêndoas, avelãs ou castanhas.

Finalização

O momento de juntar massa e molho requer muita atenção. Desligue o fogo primeiro para juntá-los, para que o azeite não se separe do molho.

Outra dica campeã

Ultraversátil, este molho pode escoltar inúmeros tipos de massa como trenette, linguine, spaghetti e troffie. Para enriquecer o valor nutricional do prato, junte legumes de sabores neutros, como abobrinha, vagem e batata.

Molho de frutos do mar

Caldo de peixe

Muita gente usa, mas não aconselho. A receita já leva muitos frutos do mar e, ao usá-lo, fica ainda mais forte e pode comprometer o sabor.

Frutos do mar

O segredo é não deixar cozinhar demais. Para tanto, é preciso respeitar a ordem da receita para que cada um tenha o seu tempo de cozimento respeitado. Especialmente o vôngole e o polvo devem ser preparados separadamente para só depois compor a receita. 

Molho de espinafre

Ricota

Prefira usar a ricota de búfala, é mais cremosa e o sabor, mais delicado.

Velouté

Com esse creme de legumes, que pode ser usado em muitos outros molhos, a receita se enriquece e ganha consistência. Outra dica: embora não conste na receita, é possível aproveitar a casca dura do parmesão, juntando-a na cocção do caldo. Com isso, o prato ganha mais sabor.


RECEITA

SPAGHETTI ALLA CARBONARA À MODA DO MARCO

(4 porções)

INGREDIENTES

400 g de espaguete. 160 g de bacon magro. 100 g de creme de leite fresco ou desnatado. 40 g de parmesão ralado. 30 g de pecorino ralado. 4 gemas peneiradas. 1 dente de alho. Sal, pimenta-do-reino e salsa crespa para decorar.

PREPARO

1) Cozinhe o espaguete em água abundante temperada com sal; tome cuidado para que não cozinhe demais, deixe que fique no ponto “al dente”. 2) Enquanto isso, em outra panela ou frigideira, junte o bacon em pedaços pequenos e o alho, deixe alourar, tire o excesso de gordura, retire também o alho. 3) Junte o creme e mexa bem, deixe tomar gosto por um minuto e incorpore as gemas peneiradas, mexa vigorosamente e desligue o fogo para não cozinhar demais; tempere a gosto, considere que o bacon e os queijos já contém sal e reserve. 4) Escorra o espaguete, junte ao molho, adicione a metade dos queijos finamente ralados, misture bem e sirva imediatamente em pratos aquecidos. 5) Rale grosseiramente por cima a outra metade dos queijos e decore com salsa crespa.

PARA VER E CURTIR:

Miseria e Nobiltà (1958)
MARCO MERGUIZZO 
é jornalista profissional
especializado em gastronomia,
vinhos, viagens e outras
coisas boas da vida.
Escreve neste coletivo
toda sexta-feira.
Me acompanhe também no Facebook e no Instagram,
acessando @marcomerguizzo
#blogaquelesaborquemeemociona
#coletivoterceiramargem

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2 comentários em “A raiz peninsular dos molhos carbonara e pesto, as pastas e os vinhos certeiros para devorá-los em casa nestes dias gelados de quarentena

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  1. Amigo, de regime e vc posta isso. Delicioso artigo. E dinheiro pra Pancetta e Pecorimo? Inventei uma eresia aqui. Calabreída…..pego dois pedaços de calabresa defumada, pico e frito. Depois mÓi-se no liquidificador e despeja num molho de tomate com muito manjericão..kkk

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