CARLOS ARAÚJO (Blog Outro Olhar) – Ontem, a amiga Carla Cristina Camargo me enviou no WhatsApp o vídeo de um padre de grande credibilidade e que é muito querido dos católicos, também de pessoas de outras religiões e até mesmo de ateus. O religioso faz uma live com abordagem sobre o ódio no mundo e vincula o fenômeno com a existência de monstros interiores existentes nas criaturas humanas e adverte que eles precisam ser contidos com os recursos da coragem e do controle emocional.
O conteúdo da mensagem provocou um forte impacto em Carla. “Há um monstro dentro de mim e eu não sei o que fazer”, ela digitou, horrorizada, consciente de que essa é uma descoberta terrível e precisa achar um jeito de lidar com o problema: “O que devo fazer?”
Habitualmente ela pede socorro quando se depara com questões emocionais de grande complexidade. Eu não sou psicólogo, terapeuta, religioso, nada disso. Acho que a amizade de longa data e a travessia pela vida fazem com que ela tenha alguma confiança em mim e por isso ela entra em contato nesses momentos.
E eis que, procurando ajuda-la, digito a seguinte mensagem:
“O padre da live é muito bom, mas não deve ser levado ao pé da letra e com certeza ele próprio há de concordar com isso. O que ele quis indicar é a possível existência de monstros dentro das pessoas como advertência para que fiquem alertas e tentem barrar essas manifestações. Mas também existem verdadeiros anjos dentro de muita gente. Veja o pessoal médico que salva vidas nos hospitais nesses tempos de pandemia. A disposição dessas criaturas, desde os primeiros socorros nas casas e em ambulâncias aos corredores tensos dos hospitais e UTIs, vai muito além das questões de obrigação ética e profissional. É, acima de tudo, uma questão humanista. Muitos se sacrificam pessoalmente, separados de por longos períodos de mulheres/maridos/filhos/netos, para prestar atendimentos aos pacientes da pandemia. Há algo muito especial dentro dessas pessoas, algo digno de anjos. Uma interpretação extraordinária das religiões diz que Deus se manifesta nas pessoas de grande bondade e todo o pessoal das equipes médicas comprova essa verdade. E eles são muitos pelo Brasil e pelo mundo afora. E individualmente, eles também existem incorporados em outros perfis, desde uma empregada doméstica a uma secretária, de um pedreiro a um motorista de ônibus, de um professor a um advogado, de uma assistente social a uma benzedeira. E se multiplicam, cruzam os nossos caminhos, são exemplos de anjos que muitas vezes neutralizam a ferocidade dos monstros. Eu já vi exemplos na vida que são de arrepiar: em tempos de muita pobreza, eu vi na infância minha mãe ajudar famílias a comer até mesmo com o esforço de juntar o que ela não tinha nem para a família dela. E ela era empregada doméstica, vivia com o marido doente de asma e quatro filhos pequenos. Não é por ser minha mãe, mas eu a vi dividir alimentos que fariam falta lá em casa com a família vizinha que também tinha filhos pequenos e não tinha nada em casa para comer. E você então, querida Carla, veja como você própria tem ajudado pessoas ao longo da sua vida, e pratica a solidariedade sem perguntar a quem nem esperar retribuição por isso. Recordo uma vez em que você me ofereceu ajuda em dinheiro se eu precisasse, por ocasião da morte do meu filho há sete anos. E eram uns dias em que eu estava super apertado de grana. Eu agradeci e disse que não seria necessário, eu não queria receber um dinheiro que podia fazer falta a você. Pode crer que sua atitude foi muito além da amizade e me emocionou muito. E veja quantas transformações positivas você inspirou para a minha vida. E veja você com a sua rotina de entrega de alimentos aos moradores de rua, a prática que você tem de arrecadar e distribuir roupas em bairros carentes, e o curso online de matemática que você criou e oferece gratuitamente na internet para auxiliar crianças no reforço escolar nesses tempos de escolas fechadas e estudantes aflitos. E outras pessoas que você ajuda individualmente de outras maneiras. Aquele padre é muito bom, mas ele próprio nem sempre consegue se autoajudar. Veja bem. Voltando ao discurso do padre, você gosta muito dele e ele é ótimo conselheiro. Mas não esqueça de que, embora sendo uma autoridade religiosa, ele é um ser humano como todos nós, com as nossas angústias e inseguranças. Ele mesmo confessou em entrevista a um programa de televisão que sofreu horrores com uma depressão profunda. E isso não o desqualifica, muito pelo contrário, contribui para amadurecer a sua autoridade de conselheiro. Ele é simplesmente humano, antes de ser padre. Olhe pra você e veja a criatura amada que você é, veja a quantidade de pessoas que te amam de verdade, apesar dos invejosos e maldosos que sempre existem no seu entorno e em todo lugar. Olhe pra você e veja o seu sorriso, a sua preocupação com os outros (muitas vezes comigo) e reconheça o anjo que há dentro de você. Claro que você è às vezes muito enérgica, dura, difícil até, mas veja que quando você age assim é com as pessoas que você mais ama e que mais te amam. Amar também é zelar, proteger, fazer cobranças do bem. Há um anjo maravilhoso dentro de você, que te inspira e irradia felicidade à sua passagem, e disso você não tenha nenhuma dúvida. Você é uma criatura de Deus. Divina Carla.”
É alta noite e até eu dormir Carla não vê a minha postagem. Hoje pela manhã, em vez de um retorno por escrito, ela me liga para agradecer:
“Adorei. Você me ajudou muito com essas palavras. Use esse conteúdo para uma crônica. Talvez você consiga ajudar outras pessoas que lutam contra o monstro interior e não enxergam o anjo que representam ou em que podem se transformar.”
“A amizade, a confiança, o amor, também são manifestações divinas”, ainda digo.
“No duelo de monstros e de anjos você me faz sentir vencedora”, Carla comemora.
Duelo de monstros e de anjos

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