
Eu irei para Paris
Evandro Affonso Ferreira
Eu gosto de contar histórias de Freud, o inquietante e maravilhoso Freud. Mas, antes, quero dizer um pequeno verso do poeta português Mário de Sá-Carneiro: Onde estou, se não estou em mim?
Pílula do dia

Altazor e outros poemas, de Vicente Huidobro

Nascido em Santiago do Chile, 1893, morreu em 1948. Renovador dos meios poéticos na América Espanhola, em conexão direta com a vanguarda europeia, Vicente Huidobro foi aclamado por Octavio Paz, Pablo Neruda, Haroldo de Campos, entre tantos. Uma vez, disse: Nunca o homem esteve mais próximo da natureza do que agora, quando não trata de imitá-la em suas aparências, mas de proceder como ela, imitando-a no fundo de suas leis construtivas, na realização de um todo, em seu mecanismo de produção de formas novas. Seu grande poema, o mais representativo, é Altazor, cujas palavras perdem seu peso significativo e tornam-se, mais que signos, marcas de uma catástrofe estelar – disse Octavio Paz.
Trecho do livro:
Sou eu altazor o duplo de mim mesmo
O que se vê trabalhar e ri do outro frente a frente
O que caiu das alturas de sua estrela
E viajou vinte e cinco anos
Pendurado no pára-quedas de seus próprios
Preconceitos
Sou eu altazor o da ânsia infinita
Da fome eterna e do desalento
Entrevista: Lilia Schwarcz

Historiadora, Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na mesma universidade. Escreveu vário livros, entre eles: Brasil: uma biografia (Cia das Letras), O espetáculo das raças (Cia das Letras), As barbas do Imperador (Cia das Letras), Lima Barreto – Triste visionário (Cia das Letras) e Dom Pedro II, ganhador do Prêmio Jabuti. Fundadora da editora Cia das Letras junto com Luiz Schwarcz. Recebeu a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico.
Evandro Affonso Ferreira – É aconselhável, vez em quando, para se esquivar das ciladas das equivocações, se mudar para casebre da rua de baixo, ali na viela das razoabilidades?
Lilia Schwarcz – Acho que não. Eu pelo menos prefiro ficar no mesmo casebre, me rever, ou seja, é sempre importante verificar o que não diz respeito à própria pessoa, mas prefiro em geral aprender com os erros, criar novas vielas da razoabilidade bem perto da minha casa, e de onde eu me localizo; eu quero muito viver num mundo onde se pode errar, aprender com os erros, com os equívocos.
Evandro – E quando queremos empreender surrealista tarefa de confeccionar caminhos, e percebemos que nossos passos ainda não se adaptaram às probabilidades peregrinas?
Lilia – É preciso fazer um duplo caminho, na minha opinião. De um lado, tentar se adaptar, tentar entrar, fazer parte das probabilidades peregrinas; de outro, encontrar seus próprios caminhos. Espero que esses dois caminhos acabem convergindo numa única bifurcação. Mas é importante ter, manter vários caminhos.
Evandro – Certos seres chuvosos não facilitam de jeito nenhum a própria estiagem?
Lilia – Olha, há muita gente chuvosa, não é mesmo? Evito chover no molhado, como diz o provérbio. Mas quem encontra a própria estiagem não precisa responder, reagir, ou mesmo se associar a esses seres mais chuvosos. É sempre bom ficar de olho neles, mas criar a sua própria estiagem.
Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do eventual, as luxúrias do acaso, cooptar o imprevisível?
Lilia – Acho que cooptar o imprevisível nunca é bom. Sou a favor de cooptar ninguém. Sou mais a favor de dialogar com todos. Se é possível farejar?… acho um pouco como o grande personagem de Machado de Assis, o Conselheiro Aires, que dizia que as coisas só são previsíveis quando já aconteceram. Portanto, acho muito difícil farejar o que vem por aí, as luxúrias do acaso, ou as voluptuosidades do eventual; melhor a gente aguardar, ficar forte, inteiro, integrado, íntegro para lidar com elas, quando elas chegarem, se chegarem.
Evandro – E quando somos surpreendidos tentando a todo custo apalpar ausências?
Lilia – Acho que existem duas mortes: a morte física e a morte da memória. Se a ausência for luto diante de uma pessoa querida, penso que a gente tem que lidar com a ausência física, mas cultivar a boa memória – esta fica, não tem data para terminar.
Evandro – É preciso, vez em quando, espreitar esperançoso a chegada da resignação e seus apetrechos estoicos?
Lilia – Acho que vez por outra é muito importante espreitar com esperança a chegada da resignação e seus apetrechos estoicos. Resignar não quer dizer acomodar. Há um grande teórico de Porto Rico, Acádio Diaz Quiñones, que me ensinou uma expressão interessante, que uso em várias circunstâncias, que se chama A arte de bregar. Acádio diz que toda vez que perguntam a ele como vai, responde: Vou indo bem, na brega. O que é a brega? Quando a gente descobre que existem coisas mais fortes do que nós: seja uma questão metafísica, até física mesmo, quando há uma correlação de força diferente; nessas situações, em vez de só resignar, é melhor bregar, ou seja: avaliar o inimigo, tamanho dele, tamanho da ausência, e lidar com tudo isso da nossa maneira, e com a nossa finitude. Aprendi a dizer: Estou sempre na brega.
Evandro – Nem sempre é possível perceber que os auges são muito escorregadios?
Lilia – Nem sempre. Se nós soubéssemos tudo de avanço, vida seria mais fácil, mais monótona também. Muitas vezes a gente imagina um auge maravilhoso, lindo, inclusive capaz de curar tudo que temos como utopia, e quando chega lá, ele, de alguma forma escorrega, escapa das nossas mãos. Isso pode ser muito ruim, mas pode ser muito bom: faz com que a gente descubra outros auges, e faz com que a gente também perceba que nem sempre o auge não é o fim de tudo – muitas vezes, só o começo.
Evandro – É com os desfiladeiros que aprendemos a recuar?
LIlia – São muito importantes. Considero que a humanidade precisa ser menos prepotente. De alguma maneira agir de forma mais harmônica, em relação a sua natureza, a sua própria vocação moral. Faz parte disso, entender quando é hora de ir pra cima, e de recuar também. O recuo, contando que seja consciente, ético, é muito estratégico, fala muito da nossa humildade diante do outro.
Evandro – E esses amanheceres irreconhecíveis, escassos de surpreendências?
Lilia – Tem sido tantos… Tantos amanheceres irreconhecíveis. Penso que vivemos num mundo de amanheceres irreconhecíveis que infelizmente não nos surpreendem mais. Muitas vezes temos uma capacidade de naturalizar o reverso, naturalizar aquilo que não podemos; assim eles, os amanheceres, não surpreendem mais: essa capacidade de espanto, de assombro, de surpreendências, tem que ser mantida entre todos nós – diz muito sobre o exercício da cidadania: a gente se surpreender sempre, e vigiar muito o outro, e a si próprio.
Livro de minha autoria

Foto principal
(As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos).
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
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