Hoje, entrevista com Juliano Garcia Pessanha

Não tenho tanta certeza

Evandro Affonso Ferreira

Hoje eu amanheci com vontade de contar histórias sobre Jorge Luis Borges, o maravilhoso Borges. Contam que uma vez, ele andando numa rua de Buenos Aires, um sujeito pulou na frente dele, perguntando…

Pílula do dia

Crônica da casa assassinada, de Lúcio Cardoso

Dispensa apresentação, mas, diacho, custa nada dizer que Milton Hatoum disse que ele, Lúcio Cardoso, escreveu um dos melhores romances da literatura brasileira. Wilson Martins, afirmou que o romancista alcançou essa difícil vitória que é a autenticidade do anormal. Manuel Bandeira disse que ele, Lúcio, tinha o dom poético, o dom de criar vida, atmosfera, de armar os lances imprevisíveis e patéticos do destino. Na Crônica da casa assassinada, culminou essa força demiúrgica de Lúcio Cardoso.

Trechos do Livro:

Tornava a fechar a porta, sentindo que me era impossível imaginá-la morta. Nenhum outro ser parecia mais imune e mais afastado da destruição. Mesmo nos últimos dias, quando já não havia possibilidade de imaginar outro desenlace, mesmo nessas ocasiões em que através do silêncio e da indulgência, percebemos aterrorizados a condenação de que não se pode mais duvidar, mesmo assim não podia supô-la na situação em que eu agora podia vê-la, estendida sobre a mesa, enrolada num lençol, um cordão amarrando-lhe as mãos, olhos fechados, o nariz sobressaindo inesperadamente aquilino.

Entrevista: Juliano Garcia Pessanha

Nasceu em São Paulo, 1962. Mestre em psicologia (PUC-SP) e doutor em filosofia (USP). Autor de Sabedoria do nunca, Ignorância do sempre, Certeza do agora, Instabilidade perpétua e Recusa do não-lugar. Ganhou os prêmios Nascente (Abril-USP) e o Grande Prêmio da Crítica da APCA, categoria Literatura. Cosac Naify publicou Testemunho transiente, reunião de sua tetralogia. É professor e dirige grupos de estudo de filosofia. Meu amigo, meu escritor favorito.

Evandro Affonso Ferreira – Você, feito eu, também se inquieta com aquele daqui-a-pouco ali adiante, que, desiludido, olha para trás e não vê nenhuma conclusão antecipada?
Juliano Garcia Pessanha – Não sabemos onde o rumo desemboca. Não há cartomantes fiáveis e o arrependimento não apaga o feito.

Evandro – É aconselhável, vez em quando, para se esquivar das ciladas das equivocações, se mudar para casebre da rua de baixo, ali na viela das razoabilidades?
Juliano – Quando se extingue a ilusão da vocação, seguimos a caderneta dos cálculos.

Evandro – E quando queremos empreender surrealista tarefa de confeccionar caminhos, e percebermos que nossos passos ainda não se adaptaram às probabilidades peregrinas?
Juliano – Quando o caminho nos atropela, rompe-se o tempo da confecção.

Evandro – Certos seres chuvosos não facilitam de jeito nenhum a própria estiagem?
Juliano – Sim, seres chuvosos têm catarro ontológico, pneumonia de chegar ao mundo.

Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do eventual, as luxúrias do acaso, cooptar o imprevisível?
Juliano – Não se vive do extraordinário. Quem fez pacto com a realidade desconsidera as epifanias.

Evandro – E quando somos surpreendidos tentando a todo custo apalpar ausências?
Juliano – E se ausência já nos apalpou e sequestrou antes?

Evandro – É preciso, vez em quando, espreitar esperançoso a chegada da resignação e seus apetrechos estoicos?
Juliano – Sim, a fortaleza interior deve estar ativada para a vinda do infortúnio.

Evandro – Nem sempre é possível perceber que os auges são muito escorregadios?
Juliano – Sim, te dou um exemplo concreto. Quando saí pela melhor editora, ela em dois meses fechou.

Evandro – É com os desfiladeiros que aprendemos a recuar?
Juliano – E com sucessos também.

Evandro – E esses amanheceres irreconhecíveis, escassos de surpreendências?
Juliano – É preciso cultivar a religião cotidiana do café quente com o pão com queijo.

Livro de nossa autoria

Foto principal

(As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos).

As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)

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