
Hilda, maravilhosa Hilda…
Evandro Affonso Ferreira
Hoje me lembrei de um conto da Hilda Hilst, a maravilhosa Hilda. Esse conto chama-se Teologia Natural…
Pílula do dia


Nasceu em Jaú, 1930. Morreu em 2004. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Ganhadora do Prêmio Pen Clube de São Paulo, Prêmio Anchieta de Teatro, Prêmio APCA, Prêmio Jabuti, Prêmio Moinho Santista. Hilda Hilst escreveu vários livros, entre eles: Roteiro do silêncio, Sete cantos do poeta para o anjo, O visitante, As aves da noite, Fluxo-floema, Qadós, Da morte, odes mínimas e Poemas malditos, gozosos e devotos.
Trechos do livro:
Hamat, eu Hiram, quero construir a casa. Dentro de mim, sagrado descontentamento. Tu és minha mulher e o teu olho traduz desejo de eloquência. Sei que posso falar a noite inteira e esvaziar teus eternos conceitos, sei tudo o que tu és, veludosa e decente, redondez, faminta do meu gesto, sei, Hamat, que vais dizer que se mudo de casa mudo de natureza, e que é inútil querer o real do meu espaço de dentro, sei que vai dizer que eu, homem político, devo permanecer junto aos homens, abrir e fechar constantemente as mandíbulas, sei quase tudo de ti, de mim sei nada, sei muito dessa palha que se chama aparência.
Entrevista: Jorge de Almeida

Jorge de Almeida é meu amigo querido desde os tempos do Sebo Sagarana. Dá aulas de literatura na USP. Já discutiu, gentilmente, com os alunos, sobre meu primeiro livro de minicontos Grogotó! Escreveu a orelha de meu romance Nunca houve tanto fim como agora. Escreve sobre música e dá palestras no MASP e na OSESP. Organizou os três volumes sobre Pensamento Alemão no século XX, para a Editora Cosac Naify. Traduz e escreve sobre Adorno, Teoria crítica, Música e Literatura. Quando eu tinha o Sebo Sagarana, ele, Jorge, aparecia toda semana, para me contar, narrar, suas conversas, também semanais, com Roberto Schwarz. Sempre conversamos muito, horas seguidas, sobre boa literatura – e vamos conversar muito mais.

Evandro Affonso Ferreira – A transcendência é o último andar do mistério?
Jorge de Almeida – Quem sabe? Estou ainda lidando com os mistérios do andar térreo. Talvez o transcendente seja a energia que move o elevador.
Evandro – Você já foi o etecetera da frase de alguém?
Jorge – O não dito jamais é o resto, permanece escondido, lembrado, odiado, desejado, etc.
Evandro – Quem nos compensará do frio da existência?
Jorge – Quem se esquece que nos aquece, mas não puxa o cobertor.
Evandro – E a verdade? Trancada a sete chaves num baú dentro de porão qualquer numa cidadezinha que se chama Alhures, cuja capital é Algures?
Jorge – As que me afetam estão próximas demais. Tento evitá-las, mas elas me perseguem.
Evandro – E o corte no outro? Cicatriza rápido em você?
Jorge – Depende da faca, do sal e da armadura.
Evandro – E o fogo de Prometeu? Deu em água de barrela?
Jorge – Não cumpriu o que prometeu.
Evandro – Para você, hem? Só o que tem nome existe?
Jorge – Se Odradek existe, tudo é possível.
Evandro – E Deus? Que diabo é isso?
Jorge – Sou ateu não praticante, um dia talvez saberei.
Evandro – Você vive tentando se precaver contra as próprias contradições?
Jorge – Sim. Não.
Evandro – Já se acostumou com os solavancos do imprevisível?
Jorge – E com os amortecedores do cotidiano.
Evandro – Você, vez em quando, transita pelos obscuros becos do destrambelho?
Jorge – Esperando ter Ariadne como amante.
Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do Eventual, as luxúrias do Acaso?
Jorge – Com olhos e ouvidos atentos, e muito tato.
Evandro – E os contratempos? Catalogá-los na volumosa pasta dos percalços?
Jorge – Todo tempo é contratempo para quem sonha andar descalço.
Fragmentos
Ainda não havia se acostumado com os solavancos do imprevisível, com a insaciável abastança do descaso, com a rudeza do incognoscível, com o não-chamejar das próprias manhãs, com o escárnio do inacessível. Entanto, alguns afirmam que pouco antes de ocultar-se à vista de todos, já conseguia se embrenhar nos redemoinhos póstumos; outros, garantem que agora, neste exato momento, transita alio entre os becos obscuros do destrambelho.
Livro de minha autoria

Foto principal
(As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos).
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Meus caros
Essa entrevista vocês combinaram as perguntas e as respostas?
Adorei o “ateu não praticante”
Vou levar pro caro VERNILI que o é mas.. tem uma certa veneração pela Nossa senhora Aparecida.
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Parabéns, Evandro. Seu blog está cada vez mais enriquecedor”
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