
Profanar…
Evandro Affonso Ferreira
Estou me lembrando dos profanos. Ficai longe, profanos – dizia o poeta Virgílio na sua Eneida…
Pílula do dia

Poemas, por A. C. Swinburn

Nasceu em Londres, 1837. Morreu em 1909. Seu livro Poemas e Baladas foi rodeado pelo escândalo que certamente despertou, numa sociedade vitoriana, o sentido transgressivo que se deixa adivinhar nas suas páginas. Crítico da época dizia que ele, Swinburne, era um degenerado superior. O crítico português Fernando Guimarães disse que a expressão poética do nosso poeta londrino, como a dos simbolistas, está muito cercada pela procura de efeitos musicais e ritmos, associações, paralelismos, formas aliterantes, etc. Swinburne exaltava a dor, a morte, sim: falava muito sobre o dom de morrer, porque a morte tem pálpebras e narinas de luxúria.
Trecho do livro:
Morrer com a tua dor e o meu deleite, e ficar
Misturada com o teu sangue e fundida em ti!
Não te atormentaria demasiado ao morrer?
Não te magoaria perfeitamente? Não tocaria
Os poros dos teus sentidos com a tortura e tornaria brilhantes
Os teus olhos com lágrimas como sangue e luz dolorosa?
Não faria soar a agonia como uma nota vem de outra nota,
Não captaria na tua garganta a melodia central dos soluços,
Não tomaria os teus membros vivos e com eles de novo moldaria
Uma lira das muitas perfeitas agonias?
Entrevista: Livia Garcia-Roza

Nasceu no Rio de Janeiro. Romancista, contista e psicanalista pós-graduada em psicologia clínica pela UFRJ. Escreveu vários livros, entre eles: Cine Odeon (Record) e Amor em dois tempos (Cia das Letras). Sua obra se estende por universos ficcionais que dialogam com a psicologia. Sempre em formato de prosa, ela lida com os dilemas sentimentais e afetivos da contemporaneidade, ao mesmo tempo que tangencia a denúncia de causas sociais, como a violência doméstica, o papel do idoso na sociedade e os conflitos entre gerações. Por serem capazes de identificar a extravagância psicológica por trás de ações humanas e expressá-la por meio de cenas do cotidiano ou surrealistas, os escritos de Lívia Garcia-Roza recebem notoriedade no cenário de literatura brasileiro, sendo reconhecidos como o ponto de convergência entre a linguagem literária e a psicanálise clínica. (Enciclopédia Itaú Cultural). Lívia é encantadora.
Preciosidades epigramáticas de Lívia Garcia-Roza
Evandro Affonso Ferreira – E a verdade? Procurá-la seria tentar praticar acrobacia utópica com poção de éter que sempre foge ao controle do frasco?
Lívia Garcia-Roza – A verdade, para mim, é a verdade do desejo. Nada que uma boa psicanálise não resolva. A verdade jamais é dada. “Durante a análise, nesse discurso que se desenvolve no registro do erro, algo acontece por onde a verdade faz irrupção”.
Evandro – E os desarvoramentos internos? Como transitar com certa altiveza os becos escuros do destrambelho?
Lívia – Devemos transitar com a leveza de um Carlitos.

Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do eventual, as luxúrias do acaso?
Lívia – Esse além-linguagem (captável pelos sentidos), é para poucos.
Evandro – E Dante? Ser predestinado às culminâncias poéticas?
Lívia – Só perguntando à senhora Gemma Di Manetto Donati. La signore Dante.
Evandro – E Deus? Que diabo é isso?
Lívia – Deus é íntimo, familiar, o diabo é mais criativo.
Evandro – É possível viver-sobreviver apenas com a partícula do muito-pouco? Meu querido saudoso José Paulo Paes, dizia: Para quem sempre pediu tão pouco, o nada é positivamente um exagero.
Lívia – É o meu exercício diário.
Evandro – Freud dizia que todo caminho que percorria, um poeta já havia passado por ele antes. O poeta é aquele que adquiriu o dom de psicografar o incognoscível?
Lívia – A poiesis antecede à psicanálise.
Evandro – E quando sentimos que somos nossa própria nau desarvorada, nosso barco aturdido nas águas da inquietude?
Lívia – Devemos relaxar e apreciar a paisagem.
Evandro – Você é uma criatura quântica in totum? Ou quase sempre se inclina diante das preeminências do espírito?
Lívia – Sou apenas uma mulher; como disse o poeta. A mais sublime das histéricas, como disse o marido.
Evandro – E nesses tempos de desentendimentos mútuos? Aconselhável evitar, inclusive, os solilóquos?
Lívia – Se a linguagem é portadora da ambiguidade, aí se revelam todos os desentendimentos possíveis.
Evandro – E esse daqui-apouco, esse logo-mais querendo se antecipar, procurando desesperado a Intuição?
Lívia – É a nossa velha conhecida ansiedade.
Fragmentos
Deixou lamúrias no fundo da gaveta e caminhou a trouxe-mouxe pelas ruas assobiando trechos da Nona – de Beethoven. De repente, extasiou-se vendo vento prevaricador levantar saia de encantadora moça que, digamos, incauta, mostrou seu indelével desprendimento íntimo. Ele, nosso andejo-voyeur, há meses não consegue mergulhar no esquecimento aqueles sub-reptícios e veludosos pelos púbicos.
Livro de minha autoria

Foto principal
(As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos).
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
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