
Dias abstratos
Evandro Affonso Ferreira
Hoje me deu vontade de ler um trecho de um livro que escrevi muitos anos atrás, cujo título é Não Tive nenhum Prazer em Conhecê-los…
Pílula do dia

Recusa do não-lugar, de Juliano Garcia Pessanha
Juliano Garcia Pessanha
Nasceu em São Paulo. Graduou-se em Filosofia. Mestre em psicologia (PUC-SP) e doutor em Filosofia (USP). Recebeu os Prêmios Nascente e APCA. Publicou vários livros, entre eles Sabedoria do Nunca, Certeza do agora e Instabilidade perpétua. Tece estreito diálogo com a literatura, a filosofia, a psicanálise, em busca de dizer as coisas em registros múltiplos de enunciação. Juliano Garcia Pessanha é genial.
Trechos do livro:
O poeta sofre de ataque de existência continuado. Ele caminha erguidamente sobre a própria ruína. Ele escuta solidão, mas não há ninguém ao lado. Ele vê o crepúsculo e estremece porque não há ancestrais nem descendentes.
……………
O poeta assiste ao próprio nascimento, mas o nascimento continuamente abortado abre seu olho para o instante, a iminência e a eclosão. Suspenso nessa tensão hesitante, ele é um recém-nascido permanente (mas é a catástrofe que lhe concedeu o olhar de fogo).
Entrevista: Paulo Betti

Ator, diretor, paulista de Raffard criado em Sorocaba. Participou de mais de 40 peças, dirigindo 12 delas. Dezenas de filmes. Ganhou vários prêmios, entre eles: Molière, APCA, Mambembe, Shell, Festival de Gramado). Sua carreira vitoriosa motivou Maria Luisa Sprovieri Ribeiro (Teté Ribeiro) a escrever o livro Paulo Betti: na carreira de um Sonhador.
Paulo lê Evandro
Evandro Affonso Ferreira – Difícil desvendar os meandros esperançosos que se camuflam no subsolo da utopia?
Paulo Betti – Eu sou de cavoucar, a esperança é o último porre.
Evandro – Você também, feito eu, é Quixote moderno querendo a todo custo criar, dia qualquer, moinho malabarista capaz de manipular com destreza futuros ventos-contrários?
Paulo – Sei que isso pode ser criado, esse moinho malabarista, ele tem um pouco de Zé Pelintra e herói de faroeste, ecologista e clown, é uma geringonça maravilhosa,
Evandro – E a solidão? É aquele invisível, acocorado ali no canto, carente de apalpamentos?
Paulo – Convivo muito mal com a solidão, nada mais triste que aquele moço morto na padaria, coberto com plástico preto, enquanto cada um na sua solidão continuava tomando seu café na pandemia.

Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do acaso, o desejo de cooptar o imprevisível?
Paulo – A corda bamba, o abismo, o improviso, Brecht dizia: “Exatamente porque as coisas estão como estão, elas assim não podem continuar”.
Evandro – E os contratempos? Catalogá-los na volumosa pasta dos percalços?
Paulo – Essa pasta volumosa prefiro não manuseá-la tentando tirá-la de meu campo de visão.
Evandro – E quando o afago se descamba para a obliquidade? Como consertar as empenas do telhado do fraterno?
Paulo – O tempo todo empunho arco de pua, serrote, martelo, chave de fenda, bigorna, prumo, nível, lixa, tinta esmalte e betume, mas tudo teima em empenar e carcomer.
Evandro – Com o tempo, é possível farejar, com certa antecedência, uma rua sem saída?
Paulo – Na minha infância tinha um quadro religioso, era uma folhinha de final de ano de farmácia. O caminho do Céu e o do Inferno. No do Inferno iam multidões gozosas, caminho largo; no outro, um caminho estreito e alguns chatos indo pro Céu.
Evandro – E esse nosso daqui-a-pouco, esse nosso logo-mais querendo se antecipar procurando desesperado a intuição?
Paulo – Nunca sabendo esperar, aceitar e acertar.
Evandro – Você acredita que se quiser encontrar, a todo custo, a Verdade, poderá ser internado algures num hospital especializado numa doença crônica, cujo nome é Arrepsia?
Paulo – Machado de Assis e seu Alienista, serei sempre o Simão Bacamarte.
Evandro – E aquele possível amor que desaba de repente a poucos passos do quase-acontecendo?
Paulo – Abençoado como morrer dormindo.

Fragmentos
Decrepitude? Lâmina de sua plaina é afiada demais – deusa dos despedaçamentos reina inexorável sobre nossos destinos – sim: impossível desvendar sua intrincada teodiceia.
……………
Faço delas, palavras, relha de arado que procura ingênua rasgar chão ainda não cultivado.
Jactâncias

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
(As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos).
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
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