
Seres insólitos
Evandro Affonso Ferreira
Estava me lembrando de que somos, modo geral, seres insólitos…
Pílula do dia
Perguntas insólitas


Elogio da loucura, de Erasmo de Rotterdam
Nasceu na Holanda, 1467. Contemporâneo de Maquiavel, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Lutero. Vida toda inclinado ao estudo, à meditação e sobretudo à pesquisa. Combateu as ideias supersticiosas. Acreditou que só pela discussão serena podemos solucionar os problemas da crença e do conhecimento. Foi professor de grego na Universidade de Cambridge. Três papas lhe escreveram epístolas respeitosas. Várias universidades disputavam a honra de oferecer-lhe uma cadeira. Costuma dizer: Quando tenho um pouco de dinheiro, compro-me livros. Se sobrar algo, compro-me roupa e comida.
Trecho do livro:
Mas segundo o exemplo de Homero, que às vezes desce do céu à terra, e, outras, sobe da terra aos céus, deixo o Olimpo, para ainda uma vez mais me misturar com os mortais. Não, não há, na terra, nem alegria, nem felicidade, nem prazer, que não dimane de mim. Antes de mais nada, olhai com que previdência, a natureza, essa terna mãe do gênero humano, teve o cuidado de por toda a parte espalhar o tempero da loucura. Porque, segundo os estoicos, ser sábio é tomar a razão por guia; ser louco é deixar-se guiar ao sabor das paixões. Ora, Júpiter, para adoçar um pouco a amargura da vida, não deu aos homens mais paixões do que aquilo que devia?
Entrevista: Lídia Jorge

Escritora portuguesa, licenciada em Filologia Romanesca pela Universidade de Lisboa. Doutora honoris causa (Universidade do Algarve). Ganhou diversos prêmios, entre eles Prêmio Luso-Espanhol de Arte e Cultura, Prêmio Jean Monet de Literatura Europeia e Prêmio Internacional de Literatura da Fundação Günter Grass). Escreveu dezenas de livros de contos, romances, teatro, poesia, ensaios.
A escritora e o amor
Evandro Affonso Ferreira – E quando seus passos não se adaptam de jeito nenhum às probabilidades peregrinas?
Lídia Jorge – Avalio a força dos meus passos e mudo de direcção. Não gosto de conviver durante demasiado tempo com obstáculos intransponíveis.
Evandro – Costumo dizer que sou muito afetivo, pegajoso, motivo pelo qual gostaria que Deus fosse palpável. Afinal, procurar Deus é querer apalpar plenitudes?
Lídia – Sim, é, mas Deus joga connosco um jogo da cabra-cega, com regras muito desiguais – Só nós temos venda. No meio do jardim, Ele apanha-nos sempre.

Evandro – Procurar a verdade é querer estudar a anatomia do inimaginável, debulhar as cascas do incógnito?
Lídia – É preciso levar a sério o conceito de verdade. Ela existe na vida quando as palavras coincidem com actos, factos e pensamentos. A outra Verdade, a que leva V grande, encontra-se num sótão demasiado alto. Poucos têm a escada de acesso. Eu não a tenho.
Evandro – Agora, com o tempo, tenho conseguido polir os avanços com o verniz da parcimônia. E você? Já se afeiçoou aos recuos? É condescendente com os retrocederes?
Lídia – Não tenho outro remédio. Tomei por lema o princípio oriental – A vida é cair sete vezes e levantarmo-nos oito. Essa relatividade resulta muito saudável.

Evandro – É possível rastrear lampejos?
Lídia – Sim, com um bom director de fotografia, bons actores a correrem no escuro, e uma boa noite cerrada. Acontecem lampejos de beleza. Creia.
Evandro – E quando você se sente refém das ciladas da afoiteza? Sim: quando percebe que está transgredindo os preceitos da precaução?
Lídia – Quando isso acontece, vou em frente. Já o disse por outras palavras, que não sou uma pessoa cautelosa. O que for soará.

Evandro – Você já ensinou seu próprio olhar a refutar angústias e todos os seus apetrechos melancólicos?
Lídia – Sim, faço-o com o coração.
Evandro – É possóvel se precaver contra as próprias contradições?
Lídia – Não é possível, mas as contradições são fases da aprendizagem. Fazem falta.
Evandro – Você já aprendeu a farejar com antecedência uma rua sem saída?
Lídia – O meu faro não é muito apurado, mas assim que descubro que existe ao fundo uma parede tampão, recuo a sete pés. Sofro de claustrofobia dos becos.
Evandro – E quando as mágoas se e,mbrenham nas suas entranhas? Como se livrar dos urros do rancor?
Lídia – Deito-me de bruços e espero que amanheça.
Evandro – E as certezas? Vida toda untrapassamos, se tanto, o pórtico do talvez?
Lídia – Sim, eu gosto do talvez. Uma das canções de que mais gosto tem por título, e por refrão, Quizás, quizás, quizás… Essa antiga canção de amor é todo um programa de vida.
Fragmentos
Decepcionante ver os não-degraus nas escadas; o não-buraco no bilboquê; a não-janela na parede; as não-chaves no molho. Extenuante recolher tarde toda esse enorme entulho de coisa-nenhuma. Difícil, quase impossível, esculpir o inexistente – quase impossível: nossa ontológica personagem adivinha vez em quando seus esplendores ocultos.
Jactâncias

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
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