
Rei Revés…
Evandro Affonso Ferreira
Eu? Ando um pouco carente, precisando de uns tapinhas nas costas…
Pílula do dia

Broquéis – poemas, de Cruz e Sousa
Poeta, nasceu em Florianópolis. Um dos precursores do simbolismo brasileiro. Filho de escravos alforriados. Chamou a atenção pelos seus inflamados discursos a favor da abolição. Foi Escritor-Diretor do jornal abolicionista Tribuna Popular. Proibido, por racismo, de assumir o cargo de Promotor Público em Laguna/SC. Escreveu vários Livros. Suas publicações nos jornais e revistas estavam, quase sempre, pautadas no tema do racismo e do preconceito racial.
Perguntas insólitas

Entrevista: Paulo Scott

Nasceu em Porto Alegre. Formado pela Faculdade de Direito da PUC do Rio Grande do Sul e Mestre em Direito Público pela UFRGS. Seu livro Orangotangos foi adaptado para o cinema e foi vencedor do Festival de Cinema de Milão. Escreveu vários livros, entre eles Habitante irreal (Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional) e o Ano em que vivi de literatura (Prêmio Açorianos de Literatura
O poeta e o estranho
Evandro Affonso Ferreira – E a verdade? Procurá-la seria tentar praticar acrobacia utópica com poção de éter que sempre foge ao controle do frasco?
Paulo Scott – A verdade é essa disputa entre a forma como conseguimos nos acomodar dentro da cela de nossos traumas, de nossas sensibilidades, de nossos ímpetos e a montanha de interpretações e violências externas que nos são impostas. As utopias são uma forma de dar sentido a um entorno irregular (não ideal, nunca ideal) que, no fundo, é sempre distópico e nos invisibiliza porque os mistérios das relações e das buscas, mesmo no espectro de uma família (não da humanidade), da comunidade de uma rua (não da humanidade), de um bairro (não da humanidade), da humanidade, são sempre inúmeros e imensos. A palavra – nosso terreno tributário – é sempre o que se pretende maior do que a realidade (e, nesse sentido, de conceito, é até mais determinante do que a linguagem ou as linguagens) para que se ponha sob a luz (um processo sempre reinventado de acordo com nossos humores, dores e limitações, tecnologias) e se arrisque “aqui está a verdade ou, ao menos, uma das verdades possíveis”. A procura da verdade, assim, é parte da linguagem que nos contamina, é uma das entradas na ponte.
Evandro – E os desarvoramentos internos? Como transitar com certa altiveza nos becos escuros do destrambelho?
Paulo – É a tal série de compromissos éticos que assumimos dentro de nosso instinto e de nossa educação, seja ela qual for, tenha a amplitude que tenha, a série de imperativos éticos se poderia dizer, que se coloca como reforço, amparo, mas também régua viabilizadora dessa percepção. Por isso se pode atribuir aos desarvoramentos a condição de elemento parte dessa leitura racional, mas, também e sobretudo, sentimental. Poetas amam a trágica experiência que têm (exercitam?) com seus (em seus?) desarvoramentos porque é justo os que as aproxima, os aproxima, do ar que nada respeita e é uma das presenças determinantes. A altivez está na opção de produzir intervalos (distanciamentos) e inventariar. Nesse contexto, poeta é a pessoa que (para si e para os outros) enfrenta.
Evandro – É possível farejar as voluptuosidades do eventual, as luxúrias do acaso?
Paulo – Depois que elas ocorreram (se expressaram, impactaram) sim. No geral, as pessoas lidam, normalizam para si, agregam leituras que gerem tranquilidade, sensações de tranquilidade, porque a admissão da intranquilidade do cômputo permanente seria terrível. É um processo muito próximo da lógica que se tem em relação à memória – memória que é fundamental para esse aperceber tardio a que me referi.
Evandro – Você já ensinou seu próprio olhar a refutar angústias e seus apetrechos melancólicos?
Paulo – Ensinei meu próprio olhar a amar a minha angústia, porque ela é parte importante da minha sensibilidade, sensibilidade sem a qual eu não me teria, não como suponho me ter. A melancolia está em outro lugar porque em relação a ela é importante o tempo de sua permanência – ela vem, significa, mas não pode permanecer. Se a melancolia permanece, domina, vira ódio, raiva, violência, no pior dos sentidos (estraga o olhar, estraga o sentir, cega).
Evandro – E Deus? Que diabo é isso?
Paulo – É um lugar para dizermos a nós mesmos: estou aqui e, contra todas as possibilidades (as probabilidades), continuo aqui.
Evandro – É possível viver-sobreviver apenas com a partícula do muito-pouco? Meu querido saudoso José Paulo Paes dizia: Para quem sempre pediu tão pouco, o nada é positivamente um exagero.
Paulo – A existência está sempre a insinuar a possibilidade de ser grão, semente. É o que falei em relação ao ar (metaforicamente e não apenas). É o preço de carregar. Por isso o nada é tão cheio de possibilidades. Só na infância temos a chance de gerenciar o nada, é quando somos mais fortes e mais perigosos. É quando o exagero é o senhor de nossa normalidade, de nosso “momentâneo” esquecimento do futuro.
Evandro – Freud dizia que todo caminho que percorria, um poeta já havia passado por ele antes. O poeta é aquele que adquiriu o dom de psicografar o incognoscível?
Paulo – Poetas são a fusão que demanda, em boa medida, o que algumas pessoas tacham de olhar da loucura. Freud chegou a várias das formulações que chegou porque era um poeta, um poeta é quem inventa ao seu redor outros poetas. Muitas pessoas não conseguem chegar a essa invenção, não podem, não querem. É, de certa maneira, o modo como nos colocamos no tempo. Você, poeta, seu olhar, é a passagem que se deixa enxergar; você enxerga, sofre, ama e depois conta aos outros enquanto conta para si mesmo.

Evandro – E quando sentimos que somos nossa própria nau desarvorada, nosso barco aturdido nas águas da inquietude?
Paulo – Há tempo aprendi que artista é quem suporta a solidão que vem com as suas escolhas – e toda escolha traz inquietudes (que podem ser desprogramadas dentro dos padrões vigentes oferecidos, impostos, pela sociedade etc.), traz distâncias, desafetos (no sentido mais orgânico), dúvidas. A dúvida, nessa franqueza pretendida, é o grande presente em que se garante que permanecemos aqui dispostos à enorme beleza do insistir.
Evandro – Você é uma criatura quântica in totum? Ou quase sempre se inclina diante das preeminências do espírito?
Paulo – Não sei avaliar. Talvez fique alguma pista na minha escrita, algo que possa, eventualmente, ser escrutinado, ou não, depois que eu morrer.
Evandro – E nesses tempos de desentendimentos mútuos? Aconselhável evitar, inclusive, os solilóquios?
Paulo – Todos os tempos são de tensão. A grande savana gerada pela revolução tecnológica, pela internet, só facilitou o choque entre as inquietudes, o que, por um lado, foi bom para os marginalizados, mas trouxe a reação. Estamos aprendendo. Enquanto segue o baile, máscaras são arrancadas e atiradas ao chão – recalibragem das lentes, lentes que se renovam.
Evandro – E esse daqui-a-pouco, esse logo-mais querendo se antecipar, procurando desesperado a Intuição?
Paulo – Para ele estaremos sempre despreparados.
Fragmentos
Nossa ontológica personagem entrou agorinha em seu laboratório abstrato para criar talvez partícula incandescente capaz de despertar pressentimentos – faúlha lampejo.
Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
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