
Palavras, palavras, palavras…
Evandro Affonso Ferreira
Já dizia o bom e velho Hamlet: Minhas palavras voam, os pensamentos não…
Pílula do dia
Perguntas insólitas


Até parece o paraíso, de John Cheever
Entrevista: Martim Vasques da Cunha

Já leu até o que ninguém escreveu
Evandro Affonso Ferreira – Procurar a verdade é querer estudar a anatomia do inimaginável, debulhar as cascas do incognoscível?
Martim Vasques da Cunha – Procurar a verdade, meu amigo Evandro, é reconhecer dentro de si que tudo pode se resumir a uma gigantesca mentira.
Evandro – E quando você se sente refém das ciladas da afoiteza? Sim: quando percebe que está transgredindo os preceitos da precaução?
Martim – O tempo todo preciso saltar a prudência dos outros para encontrar então o verdadeiro risco que anima a minha existência.

Evandro –É possível rastrear lampejos?
Martim – Sempre. Acabei de sequestrar um vaga-lume digno de um insight de Santo Tomás de Aquino.
Evandro – E quando seus passos não se adaptam jeito nenhum às probabilidades peregrinas?
Martim – Quem é peregrino de fato, seja dentro ou fora deste mundo, não se adapta a nenhuma probabilidade.
Evandro – Costumo dizer que sou muito afetivo, pegajoso, motivo pelo qual gostaria que Deus fosse palpável? E você?
Martim – Não tenho piedade de ninguém, exceto da minha família e dos meus (poucos) amigos. O resto pode explodir à vontade. No caso, Deus é o firmamento que nos protege deste emblema que é a solidão.
Evandro – Às vezes, nem sempre, estoico, consigo trocar a penúltima vogal pela primeira: ao invés de odiar, adiar. E você?
Martim – O ódio aniquila qualquer valor humano, mas sem dúvida o amor destrói de vez o desabamento do mundo que imaginávamos viver.
Evandro – Você tem o hábito de jogar sementes de conformismo sobre seu terreno baldio?
Martim – Somente nas horas do café da manhã, do almoço, do chá da tarde e do jantar.
Evandro – Existe nele, seu baú invisível, uma penca de irrealizações?
Martim – Com 42 anos de idade, já cheguei àquela idade que só terei adiamentos pela frente. O que vier é o prejuízo do lucro.
Evandro – E quando as mágoas se embrenham nas suas entranhas? Como se livrar dos urros do rancor?
Martim – Apelando para o singelo adágio: Ora et labora.
Evandro – É possível se precaver tempo todo contra as próprias contradições?
Martim – Nunca. Eu sou uma contradição ambulante, o desespero redentor, o dinheiro limpo, o enigma contra a muralha criada pelos meus desafetos, o perseguidor que nunca encontra a caça desejada e, por isso, desiste somente quando a presa o liberta de si mesmo.
Evandro – Viver? É possível se preparar para esta emboscada?
Martim – Com a ajuda dos grandes artistas, filósofos, escritores e santos, sim, é possível, claro, desde que você leve um bom livro na fila do banco na hora de pagar o monstro do boleto bancário.
Evandro – Agora, com o passar do tempo, tenho conseguido polir os avanços com o verniz do recuo. E você? Já se afeiçoou aos recuos? É condescendente com os retrocederes?
Martim – Já dizia Wallace Stevens, num verso que gosto muito de citar: “A imperfeição é o nosso paraíso”. Ou, se me permite o jabá cabotino, como escrevo em um poema-manifesto meu (intitulado “O Perseguidor”):
Escapei da praia movediça
onde a areia e o mar tragavam
meus pés para encontrar
somente os trovões da alma.
Porque cada separação esconde
um germe de loucura, encarei
o poço da escuridão negado
pelos antepassados, incapazes
de vislumbrar o grão de
luz, plantado no passado
colhido na agonia cotidiana;
ou o alimento ofertado
aos deuses sedentos
de um porvir inútil, grávido
de trevas, anunciado
em um altar onde o fogo
arde nos olhos bêbados
de uma visão que nenhuma
lira traduziria
em harmonias e cantos
o que a alma anseia
quando, no combate
com o Anjo, a ferida é
o fruto da benção.
Mas no instante em que
a voz sussurra a lenta
queda deste mundo
dissolvido, o que fazer
se os ouvidos se calam
e o coração é apenas
mais uma batida no
pulso das estrelas?
Se ela diz ao corpo
que a jornada são lágrimas
sufocadas pela espuma do céu,
persigo então a resposta:
“Sim, sou o que vai ao
inferno quando quero
e de lá trago singelas,
claras, límpidas novidades”.
Fragmentos
Dizem que seus próprios pronunciamentos ficam cada vez mais enferrujados: palavras dela, nossa ontológica personagem, são pandorgas desguarnecidas de vento.
Motejos

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
Deixe uma resposta