
Signo do desconsolo
Evandro Affonso Ferreira
Vou ler, outra vez, um texto meu que publiquei numa plaquete cujo título é Levaram tudo dele, inclusive alguns pressentimentos…
Pílula do dia
Perguntas insólitas


Orlando, de Virginia Woolf

Entrevista: Felipe Franco Munhoz

Lima lê Felipe
Evandro Affonso Ferreira – A fama está, digamos, no trigésimo oitavo andar; você, no térreo. Qual o tamanho de sua afoiteza? Hem? Escada ou elevador?
Felipe Franco Munhoz – Efêmera-oximora Fama, qual o sentido?: vão-se os ossos, fica a obra. Escrevo com intenção de martelar, depois de minha morte, um prego na parede do Parnaso; e pendurar, nesse prego, dois ou três parágrafos. Quem procura escadas para a fama sobe, com vendas nos olhos, a vida inteira, escadas escherianas.
Evandro – Quais são os grandes feitos de uma guerra – além da derrota?
Felipe – Se trouxermos a guerra para nosso campo, da literatura, perceberemos que há uma constante batalha entre autor e texto, sangue e tinta – e que a derrota é, sim, inevitável. Que os grandes feitos, na derrota, sejam, portanto, Ilíadas.
Evandro – Sorte sua ter nascido posterior ao realejo?
Felipe – Será que sorte e nascido cabem na mesma frase?
Evandro – Saint-John Perse acaba de entrar (sem pedir licença nem nada) nesta nossa conversa: E o poeta? Infestado pelo sonho? Tomado pela infecção divina?
Felipe – De uma forma ou de outra, o que não pode acontecer ao poeta é permitir que suas mãos sejam amarradas à manivela do realejo.
Evandro – E os extravios? Aconchegá-los em frases vindouras?
Felipe – Aconchegá-los? Enterrá-los. Para que, assim, perca-se o mapa, em definitivo, desses – permite-me certa ironia? – paraísos perdidos.
Evandro – Na hora da autopsia encontrarão nas suas entranhas mais vaidades que rancores? Ou mais ciúmes que inveja?
Felipe – Encontrarão palavras e palavras e palavras. E, projetando uma sala de espelhos, de sonhos dentro de sonhos, eu poderei ser encontrado – com vaidades, rancores, ciúmes, invejas e medos e angústias e solidões – nas entranhas dessas palavras.
Evandro – Palavras hoje em dia? Pífaros pífios?
Felipe – Não nas minhas entranhas; nestas entranhas, rabecas rábicas.
Evandro – E as angústias? E essas tristezas súbitas? O que fazer com esses gravetos-secos nessa nossa floresta íntima, cujo nome é Melancolia? Queimá-los? Ou… você já se acomodou, feito eu, na condição-cômoda de guarda florestal de si mesmo?
Felipe – Os gravetos-secos?, John Keats acaba de entrar (sem pedir licença nem nada) nesta nossa conversa: roê-los, procurando algum néctar de Alegria – transformá-los em Troféus nublados. Para que, entre os troféus, minha alma possa, inerte, permanecer suspensa.
Evandro – Sem palavras somos pião sem fieira?
Felipe – Sem fieira e rachado e trancafiado no ventre de uma gaveta fria; pião putrefato, esquecido às sombras de qualquer armário, à noite escura do armário, às três da manhã.
Evandro – Liberdade? Privilégio delas, apenas delas, as gaivotas?
Felipe – Parece-me que – sobreposto à cantiga de ninar – escutei um tiro. Sim: um tiro. Foi Anton Tchekhov quem puxou o gatilho:
[Trepliov põe a gaivota aos pés de Nina.]
NINA O que significa isto?
TREPLIOV Hoje, cometi a infâmia de matar essa gaivota. Eu a deponho aos seus pés.
NINA Mas o que deu no senhor? [Ergue a gaivota e olha para ela.]
TREPLIOV [após uma pausa] Em breve, desse mesmo modo, eu vou me matar.
E ao final da peça, a verdade é que o personagem risca um fósforo nos gravetos-secos de sua floresta íntima.
Escritor-Tradutor
Demônio – Alexandr Púchkin
(Tradução de Felipe Franco Munhoz)
Outrora, foram, todas, novas,
da vida, as impressões – faróis:
olhar de virgens; galhos-trovas;
e tons, também, de rouxinóis –;
outrora, imenso, o sentimento
por liberdade, glória, amor,
mais arte (além de mero intento),
brandia o sangue com vigor.
Ponteiros de esperança e gozo
quiseram, brusco, a queda, então;
no instante, um gênio vil, maldoso,
furtivo, expôs-se à vista, à mão.
Tão triste, cada encontro: à frente:
sorriso, augusta espreita, enfim,
o seu discurso, fel, pungente,
vertendo frio veneno em mim.
Calúnias, fala, em firme afã,
convence até o destino, induz;
beleza, aponta: falsa, vã;
despreza alento à lira, luz;
renega o livre, o bem, pureza;
debocha a vida em seu olhar –
e nada, em toda a natureza,
com bênçãos, ele quer louvar.
Fragmentos
Agora, apesar de não gostar de si própria, e não podendo incorporar-se ao Alheio, nossa ontológica personagem vive resignada consigo mesma – e seus infindáveis rancores.
Motejos

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
Deixe uma resposta