
Arraigado nos longinquos
Evandro Affonso Ferreira
Agora que, arraigado nos longínquos, tentando inútil apalpar pretéritos…
Pílula do dia
Perguntas insólitas


Viagem em volta do meu quarto, de Xavier de Maistre
Entrevista: Menalton Braff

Contista, romancista, novelista. Gaúcho. Ganhou os Prêmios Jabuti, Casa de las Américas e Biblioteca Nacional. Escreveu-publicou mais de vinte livros. Professor de Literatura Brasileira.
Evandro Affonso Ferreira – E as certezas? Vida toda ultrapassamos, se tanto, o pórtico do talvez?
Menalton Braff – Ah, meu caro, só se tem certeza de que tudo é incerto e o Camões, um profeta do século XVI, já dizia que
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
E aquele outro doido do século XVI já sabia disso tudo ao botar na boca do Hamlet
“Ser ou não ser, eis a questão”
E o Bauman só viria a nascer séculos depois ao ordenar a desordem do mundo líquido. Mas é com a incerteza que somos convidados a viver. Desconfie sempre de pessoas com muitas certezas.

Evandro –É difícil adquirir o hábito de deixar logo de manhãzinha o furor no fundo da gaveta?
Menalton – Minhas gavetas estão repletas de sonhos com um mundo mais tragável, portanto, é muito fácil, ao reiniciar a vida pela manhã, assistir à luta entre meu furor e minhas esperanças. Eles se estraçalham e muito pouco me sobra para cumprir minha rotina.
Evandro – E quando você se vê num compartimento de reduzidas proporções, cujo nome é pressentimento?
Menalton – Vivo de pressentimentos e desconfianças. A corda bamba onde faço todos os dias meu percurso, muitas vezes achou que certamente desapareceria no vazio o peso que lhe vinha impondo. Mas como é só pressentimento dela e desconfiança minha, continuo de pé.
Evandro – Costumo dizer que sou muito afetivo, pegajoso, motivo pelo qual gostaria que Deus fosse palpável. Afinal, procurar Deus é querer apalpar plenitudes?
Menalton – Não, procurar deus é apalpar a própria fragilidade e chegar à mais trágica das conclusões, isto é, que a efemeridade é nossa única certeza. Buscar deus é um ato de medo.
Evandro – E quando o afago se descamba para a obliquidade? Como consertar as empenas do telhado do fraterno?
Menalton – Discordo da pergunta. Todo telhado suporta com sossego as pedras que lhe possamos arremessar. Não há o que consertar, pois o afago torna-se às vezes o próprio telhado como pode também transformar-se em pedra. Isso tudo é imprevisível e incontrolável, portanto, tudo pode acontecer.
Evandro – É possível rastrear lampejos?
Menalton – Não, o lampejo não pode ser rastreado, pois nunca se sabe onde e quando acontece. O lampejo, quando verdadeiro, é a fonte da epifania. Ele é que vai provocar a mudança, ele é que dirige o rastreador. Depois de seu brilho, nada mais poderá ser como fora antes.

Evandro – E quando seus passos não se adaptam de jeito nenhum às probabilidades peregrinas?
Menalton – Neste caso, só existe uma solução: abrir as asas e voar. Voar alto, passando por cima das probabilidades peregrinas, reinventando os caminhos, abrindo-os quando não existirem. O mundo não é uma rocha sem boca, tampouco ouvidos. Ele pode abrir-se para dizer ou para escutar. Este é o momento, talvez único, de se fecharem as asas e pousar na relva fresca que me convida.
Evandro – É possível se precaver tempo todo contra as próprias contradições?
Menalton – Impossível. As contradições são da nossa essência. Mas como o mundo é líquido, podemos voltar, contornar, refazer o que estiver em desacordo com nossas regras, para, mesmo assim, ali na frente voltarmos a tropeçar em novas ou nas mesmas contradições e isso, porque estamos vivos. Só com a morte abandonamos esta arena de batalha.
Evandro – E quando as mágoas se embrenham nas suas entranhas? Como se livrar dos urros do rancor?
Menalton – Mas os urros do rancor são necessários para nos aliviar do peso das mágoas. Sem eles, elas continuam a nos corroer perigosamente. Não, livrar-se dos urros do rancor, não. É necessário liberar os urros que carregarão as mágoas.
Evandro – Você já ensinou seu próprio olhar a refutar angústias e todos os seus apetrechos melancólicos?
Menalton – Impossível. Para refutar angústias e todos os seus apetrechos melancólicos seria necessário buscar a cegueira. Em nosso entorno eles aparecem numa corrente sem elo quebrado. Estamos cercados pelos apetrechos melancólicos. Os cegos, esses sim, não veem o que acontece ao seu redor. São os felizes inocentes, ou melhor, os que se deixam alienar.
Fragmentos
Guarda, a sete chaves, baú atafulhado de precariedades – entre tantas, muitos-inúmeros arrebatamentos que também não cumpriram seus objetivos.
Motejos

Livros de minha autoria
1996 – Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000 – Grogotó! (Topbooks)
2002 – Araã! (Hedra)
2004 – Erefuê (Editora 34)
2005 – Zaratempô! (Editora 34)
2006 – Catrâmbias! (Editora 34)
2010 – Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012 – O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014 – Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016 – Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017 – Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018 – Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019 – Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020 – Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021 – Rei Revés (Record)
Foto principal
As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.
As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)
Capa: Marcelo Girard
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