Hoje, entrevista com Evandro Affonso Ferreira (o próprio)

Passos agoniados

Evandro Affonso Ferreira

Passos agoniados em consequência da imprevisibilidade do logo ali adiante. Andarilho devotado às hesitações, às claudicâncias…

Pílula do dia

Perguntas insólitas

A casa das belas adormecidas, de Yasunari Kawabata

Entrevista: Evandro Affonso Ferreira (o próprio)


Ator Antonio Grassi lê trechos de Rei Revés (meu novo romance)


– E a esperança? Posso dizer que levaram tudo seu, inclusive alguns pressentimentos?
– São muitas minhas esperanças: todas recolhidas há meses jogadas num canto do quarto de despejo de minha casa imaginária – são telhas soltas esperando encaixa simétrico para futuro pai-pedreiro batizá-las todas com o mesmo nome: telhado.

– É possível se precaver contra as próprias contradições?
– Ainda não aprendi a eliminar, no nascedouro, as próprias antinomias – quando me entrego às reflexões, feito agora, sinto que suas intensas cogitações são esbatidas pelas discrepâncias, pela falta de nexo – algaravias paradoxais.

– E a solidão? É aquele invisível ali, no canto, de cócoras, carente de apalpamentos?
– Inútil lançar esconjuros de todos os naipes: enredei-me ingênuo nos laços da solidão ilícita. Faltou-me astúcia para o arranjamento longevo. Uma vez, escrevi: E a chave da porta daquele porão abandonado? Quem vai suprir a carência de giros dessa pobre-inconsolável tranca?

– E as certezas? Ultrapassamos, se tanto, o pórtico do talvez?
– Refugio-me no subsolo dos tatibitates: aprendi o ofício de afagar névoas-neblinas – sempre refém do hipotético. É extenuante procurar abranger com a vista os contornos da convicção.

– E Deus? Levou descaminho?
– Desconfio que refugiu-se de vez no subsolo do incognoscível.

– O poeta Mário De Sá-Carneiro, perguntava: Onde estou, se não estou em mim? Henri Michaux, por sua vez, afirmava: Quando me virem, bom, não sou eu. E você?
– Meus muitos eus… maioria quase absoluta, mesmo supostamente às ocultas, são eficazes, ardilosos na manufatura do disfarce, no fabrico das tergiversações: sabem praticar soslaios e vieses – pertencem, todos, à árvore genealógica dos Oblíquos.

– E essas possíveis inquietudes que emergem de dentro das muitas-inúmeras impossibilidades?
– Desconsidero os trejeitos obscenos do estar-fora-do-alcance. Aprendi a decodificar o demasiadamente íngreme; conheço de peto a arrogância dos estorvos – mesmo assim, vivo tropeçando nos empecilhos, esses óbices intrépidos e suas fidelidades implacáveis.

– E por falar em tropeços… Envelhecer é tropeçar a todo instante nos evocatórios, nos rememorativos – e cair no esquecimento?
– Envelhecer é viver com rima que restou: trancos-barrancos; é viver absorvido pelas reminiscências, atravessando décadas retroativas, catalogando longínquos, inventariando distâncias pretéritas. Jeito que encontrei, aos quase oitenta: acrescentar alguns arabescos autocomiserativos melas, minhas reais estripulias também envelhecidas. Entanto, para quem acredita numa outra existência post mortem, velhice deverá ser infância do eterno.

– Viver? Você se preparou para esta emboscada?
– Vida toda saí apressado de casa deixando na gaveta tufos de estratagemas – motivo pelo qual vida toda me senti vulnerável vendo meus bolsos sempre vazios-despossuídos de astúcias.

– Tudo que é ruim pra vida é bom pra literatura?
– Quando percebo que algo conspira a meu favor, me escondo nos escaninhos do desfavorável.

(As fotos que ilustram esta entrevista são de minha autoria.)

Fragmentos

As inquietudes se sucedem feito contas de rosário – indecifrável a caligrafia garranchosa da aflição. Nossa ontológica personagem não ignora a magnitude do desassossego. Mesmo assim os clamores se efetivam em suas entranhas. Entanto, desde semana passada começou a espreitar esperançoso a chegada da resignação e seus apetrechos estoicos.

Motejos

Livros de minha autoria

1996Bombons Recheados de Cicuta (Paulicéia)
2000Grogotó! (Topbooks)
2002Araã! (Hedra)
2004Erefuê (Editora 34)
2005Zaratempô! (Editora 34)
2006Catrâmbias! (Editora 34)
2010Minha Mãe se Matou sem Dizer Adeus (Record)
2012O Mendigo que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotterdam (Record)
2014Os Piores Dias de Minha Vida Foram Todos (Record)
2016Não Tive Nenhum Prazer em Conhecê-los (Record)
2017Nunca Houve tanto Fim como Agora (Record)
2018Epigramas Recheados de Cicuta – com Juliano Garcia Pessanha ((Sesi Editora)
2019Moça Quase-viva Enrodilhada numa Amoreira Quase-morta (Editora Nós)
2019 – (Plaquetes) – Levaram Tudo dele, Inclusive Alguns Pressentimentos, Certos Seres Chuvosos não Facilitam a Própria Estiagem e Anatomia do Inimaginável.
2020Ontologias Mínimas (Editora Faria e Silva)
2021Rei Revés (Record)

Foto principal

As fotos que abrem este blog pertencem ao meu futuro livro, Ruínas. Passei um ano fotografando paredes carcomidas pelos becos, veredas, ruas do centro, e de alguns bairros paulistanos.

As imagens apresentam uma concretude pobre e miserável, de ruína mesmo, que na sua própria deterioração encontra rasgos inesperados de um refinado expressionismo abstrato – força das paredes arruinadas e das tintas expressivas do tempo. (Alcir Pécora)

Capa: Marcelo Girard

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