CARLOS ARAÚJO (Blog Outro Olhar) – A mãe tem trinta anos ou menos, e a filha, no máximo dois anos. Ocupam a mesa ao lado no café da manhã desta sexta-feira num hotel de Salvador. Diante delas, na mesa, são vistos dois pratinhos com pão e queijo e um copo de suco de laranja.
A garotinha está inquieta. A mãe tenta acalmá-la com aconchego de colo e palavras de carínho típicas da sabedoria do instinto de proteção.
“Quando o papai vem?”, pergunta a pequena.
“Ele vem logo, é só ter um pouco de paciência”, responde a mãe.
A menina desce do colo da mulher e se posiciona de pé atrás da cadeira. É o seu jeito de protestar pela ausência do pai. A mãe, aparentando tranquilidade, toma um gole de suco. Provavelmente imagina que a reclamação da filha é só uma birra de criança.
Enquanto isso, na mesa mais próxima, um homem de cabelos grisalhos observa a cena. Habitualmente fica emocionado quando vê mães e pais jovens atarefados com os cuidados e a administração das travessuras dos filhos pequenos. É quando recorda o tempo em que foi jovem e viveu situações semelhantes com dois filhos. Eles cresceram e aqueles tempos entraram para os arquivos da memória e da saudade.
Agora mesmo, ele olha em volta no salão onde os hóspedes tomam o café da manhã. Quem sabe o pai da menina acaba de chegar e a qualquer momento vai se aproximar da mesa. Seria uma surpresa agradável para a criança. Mas não há sinal da presença dele.
O homem de cabelos grisalhos imagina qual deve ser a razão da ausência do pai da garotinha. Talvez seja um atraso de rotina. Talvez tenha explicado o motivo da demora em mensagem para a mulher no WhatsApp. A aparente serenidade dela indica que não acontece nada de grave em torno da situação.
A mulher se levanta e estende a mão à filha. Quer encher a mamadeira de suco de laranja. A filha parece compreender a intenção e atende ao chamado da mãe.
Logo elas voltam à mesa. Mas a pequena não está a fim do suco, nem do queijo ou dos outros alimentos que permanecem intocados nos pratinhos. Ainda inquieta, dá voltas em torno da cadeira ocupada pela mãe.
A paciência materna é ilimitada nessas horas. O homem de cabelos grisalhos fica impressionado com a calma da mãe em lidar com o comportamento rebelde da filha. “Haja carinho”, ele pensa. E vê com encantamento a pequena se render à docilidade da mãe e retornar ao colo dela.
Nesse instante, com a intenção de demonstrar uma espécie de reconhecimento emocional, ele tem vontade de se dirigir à mãe e falar assim:
“Não se preocupe, criança dá trabalho mas é uma felicidade. Curta esse momento. Depois o tempo passa e só resta a saudade.”
O receio de qual seria a reação dela o leva a se conter. Ela pode não gostar da observação, pode dizer “o que é que o senhor tem com isso?” Existem pessoas assim, portadoras de humor ácido, prontas para reagir com indelicadeza mesmo diante da palavra gentil de um desconhecido. A desconfiança leva a esse tipo de comportamento. E a mínima possibilidade de a mulher pertencer a essa categoria o intimida e ele se rende ao silêncio.
Além disso, o marido dela pode aparecer no exato instante da sua fala e a cena pode terminar em constrangimento. “É mais prudente não testar o humor de um marido que pode ter uma reação de ciúme”, ele pensa.
O homem de cabelos grisalhos acaba de terminar o café. Consumiu bolo, pão de queijo, gelatina, mamão, melão, um pouco de ovos mexidos. Enfim se levanta, dirige mais uma vez o olhar para a mesa ao lado. Curte a visão delicada da mulher e a filha como numa despedida silenciosa. Como o mundo é grande, jamais tornará a ver essas duas criaturas que acabam de atrair a sua atenção em forma de poesia visual. E sai do salão do café da manhã.
Fora desse espaço, atraído pela vista panorâmica de Salvador que pode ser apreciada de uma passarela, ele retém o passo.
Alguns minutos se vão. Como o tempo voa, ele pensa. Logo, para sua surpresa, a mulher e a filha também deixam o salão e passam perto dele na passarela. E então, num impulso, o homem de cabelos grisalhos consegue falar:
“Criança dá trabalho, mas é uma maravilha, uma festa. Curta esse momento, mãe, porque depois a criança cresce, você vai sentir muita saudade e não haverá o que fazer.”
A mulher diminui o passo, olha para ele, esboça um leve sorriso. Mas não diz uma única palavra. E continua a seguir de mãos dadas com a filha em direção a outro ambiente do hotel.
O homem de cabelos grisalhos se dá por satisfeito, agradecido pelo sorriso da mulher, e agora segue em direção à praia.
Injeção de saudade

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