A primeira noite de um homem e os sons do silêncio

FREDERICO MORIARTY – Michael Peschkowsky faria 90 anos em novembro. Aos 8, ele e a família conseguiram fugir do nazismo na Alemanha. Tornou-se dramaturgo e virou Mike Nichols. Único artista a ganhar as 4 estatuetas dos diversos prêmios de entretenimento (Oscar, Tony, Emmy e Grammy). Em 1966 adaptou “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, para o cinema, uma bomba depressiva com o par Elizabeth Taylor e Richard Burton.

Mike Nichols

No início de 1968 lançou uma comédia romântica com o jovem Dustin Hoffman interpretando um palerma recém graduado no College. Hoffman recebeu o Globo de Ouro de ator revelação, pela atuação no filme. Filho de comerciantes ricos californianos, Benjamin ( Ben) volta pra casa desorientado. Hoje seria um nerd “millenium”. A única certeza é que não queria mais seguir as regras oficiais do seu meio social. Não é um rebelde como o James Dean de 14 anos antes, muito menos o agitador social típico dos anos 60. Nada é mais certinho e conservador do que Ben. Mas há uma inquietude e um descompasso evidentes.Nichols usa a câmera de forma maravilhosa. Primeiro quando Ben ganha seu presente de 21 anos: um escafandro para brincar na suntuosa piscina da família rica de classe média alta. O diretor nos faz acompanhar a claustrofobia e a insensatez da vida, por dentro do visor do escafandro. Ben só acalma no momento em que,submerso, observa o nada limitador do fundo das águas de um retângulo particular.

O desastrado sem rumo encontra sua válvula de escape no caso amoroso com a esposa do sócio de seu pai. As cenas do primeiro encontro são hilárias. Os diálogos freudianos entre a mãe/amante e o filho/ aprendiz são perfeitos. Ordens, punições, arrependimento e recompensas. Anne Bancroft (Mrs Robinson) está divina no papel da quarentona que sofre as mais profundas transformações durante o filme: da sedutora a vingativa, da mulher repleta de ódio a mãe superprotetora.

Vem o conflito: Elaine (Katharine Ross), a filha de Mrs Robinson, é tão bela quanto a mãe, tão pateta como Ben, além de carente e indecisa. Ben se apaixona pela filha de sua amante. Molhados de chuva e pecado, deseperados, o triângulo amoroso tem de se encontrar, mas há o erro fatal de Ben. NIchols dá uma aula. Ao vermos a apaixonada Elaine perceber que sua mãe era a amante de Ben, a tela fica desfocada. Sonho desfeito. O desespero da mãe ao olhar para Ben e perceber que ela havia sido responsável pela paixão da filha por seu amante, aparece em “close”, depois percebemos que ela estava bem distante-na tela e na vida de Ben. Outro detalhe maravilhoso do filme é a trilha sonora integral de Simonve Garfunkel. Cadavmúsica representa um estado emocional de Ben. Ao chegar na casa dos pais é a introspectiva ” Sounds of Silence”.

Iniciada sua vida sexual ouvimos “April Come she Will”, melodia que fala de um amor entre a primavera e o fim do outono.

Amor perdido, Ben tem ao fundo “Scarborough Fair”, uma música medieval inglesa. O refrão ‘Parsley, sage, rosemary and thyme’ é uma metáfora da cura pelo amor: Salsa ( erva do coração), Sálvia ( utilizada para a circulação), Alecrim (planta da alimentação) e Tomilho ( nossa respiração) formam um quadrante dos sentimentos românticos. Coração de dois seres apaixonados, circulação dos fluidos do desejo, a alimentação mútua do amor e a falta de ar de quem está longe de quem ama.

Ben abandona tudo e decide se casar com Elaine. O diálogo com seus pais é perfeito:

– Vou me casar com Elaine! Pai e mãe exultam de alegria, era a filha do sócio, moça de posses e querida

-Vamos ligar pra eles! – falam os pais.

– Eles não sabem.

-Mas Elaine já sabe!

-Não também e acho que ela não gosta de mim.

Sai decidido e vai pra Berkeley como um Quixote moderno. Era a primeira busca.Na luta final a clássica música “Mrs Robinson”. Ben dirige seu cavalo, um belo conversível, pelas estradas florestadas.j

Depois de semanas conhecendo e amando Elaine, Ben é derrotado pela família Robinson, pela tradição e os bons costumes. Não desiste e luta pelo amor até o fim ( literalmente da gasolina do carro esporte).

A cena final é de derramar lágrimas. O grito deseperado dos dois, o soco no Mr Robinson, o tapa da mãe na filha e a cruz de Cristo trancando os presbeterianos e liberando o amor encerra o destino edificante. Ben e Elaine poderiam fugir da vida e viver o amor, num ônibus meio escolar (ideal para a idade dos dois) amarelo. Riem com alegria, ela de noiva, ele destrambelhado, atrás de ambos as tradições conservadoras.

No último instante vemos o olhar perdido dos dois, pensando na nova caminhada totalmente louca e inesperada. Nichols nos brinda com a mesma introspectiva “Sounds of Silence”. A jornada de Ben e Elaine terminava com uma nova jornada: desconhecida e inimaginável, mas com os alicerces do amor verdadeiro.

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