#fridasofia e o avião pagador

CARLOS ARAÚJO (Blog Outro Olhar) – Há tempos, a tentativa de resgate de uma menina de 12 anos dos escombros de uma escola comoveu multidões de pessoas em todo o mundo. Era o dia seguinte a um terremoto na Cidade do México. Um militar e uma rede de TV divulgaram detalhes de comunicação dos socorristas com a menina Frida Sofía (esse era o nome), o que aumentou a aflição em meio a tamanha carga dramática. Mas a farsa durou 24 horas: a menina não existia. E o que foi tratado como fato jornalístico não passava de ficção.
Esse tipo de fenômeno, rotulado como fake news, tem outros exemplos na imprensa mundial e brasileira. E em Sorocaba também. Casos como esse, ao mesmo tempo em que colocam em xeque a precisão da atividade jornalística, são eloquentes no sentido de valorizar as reportagens bem apuradas, histórias bem contadas e consistentes e o compromisso com a checagem de informações, mesmo que esses procedimentos comprometam o prazo de finalização do trabalho.
Histórias não surgem do nada: alguém conta um ponto, outro aumenta o que ouviu para dois pontos, um terceiro adiciona uma distorção e um ouvinte entende tudo errado. Bastam esses ingredientes para formar uma rede de informações difícil de ser contestada e esclarecida. Se o conteúdo for respaldado por autoridades ávidas por holofotes, que falam para repórteres burocráticos, o potencial de causar danos é equivalente ao poder de uma bomba.
Há 14 anos, o mundo se assustou com a notícia de que o prestigioso jornal The New York Times demitiu o repórter Jayson Blair por terem sido descobertas informações falsas em suas reportagens. O jornal denunciou o que classificou como invenções e erros intencionais do repórter. Em seus textos, ele fabricou declarações, elaborou cenas, apropriou-se do material de outros jornais, escreveu reportagens que davam a entender que estava em um local quando não havia saído de Nova York.
Na época, a denúncia foi um escândalo. Após demitir o repórter, o jornal criou um e-mail específico para receber reclamações de pessoas prejudicadas por textos do ex-funcionário. O problema é que prejuízos causados por invenções que substituem reportagens podem causar estragos terríveis.
O tema faz recordar, no cinema, “A montanha dos sete abutres”. O filme conta a aventura do repórter Charles Tatum (Kirk Douglas), às voltas com a história do resgate de um homem preso em uma mina. Com o objetivo de se dar bem, o repórter manipula os acontecimentos de acordo com os seus interesses, transforma o resgate em um espetáculo sensacionalista e consegue enganar todo mundo.
Há quase vinte anos, em Sorocaba, uma notícia de repercussão nacional informou que um confronto entre polícia e ladrões no pedágio da Castelinho (rodovia Senador José Ermírio de Moraes) resultou na morte de 12 bandidos. As versões davam conta de que o bando teria vindo à cidade com planos de assaltar um avião pagador no aeroporto. Todas as avaliações e análises oficiais levavam em conta o fato de que a interceptação da quadrilha teria evitado um grande assalto na cidade.
Nessa época, eu trabalhava em São Paulo como repórter do “Estadão” e fui enviado a Sorocaba (onde eu também morava) com a missão de descobrir detalhes sobre o avião pagador. Era preciso obter informações sobre a quantia de dinheiro transportada pela aeronave – e que, pelos indícios, seria destinada ao abastecimento de bancos regionais – e qual seria o horário do pouso. No retorno ao jornal, a chefe de reportagem ficou decepcionada quando informei que a história do avião pagador era falsa. Até então, completavam-se dois anos que o aeroporto não recebia aeronaves com esse perfil e esse detalhe desmontava a versão oficial apresentada como justificativa para a operação.
Apesar disso, não voltei para a redação de mãos vazias. Contei a história de uma família que teve a casa atingida por balas na hora do tiroteio, por volta das 7h30. A casa ficava na linha de tiro que tinha o pedágio como palco da operação. Uma bala ricocheteou em vários pontos dentro da casa, onde um casal se preparava para iniciar as atividades do cotidiano. A exposição ao risco de uma tragédia aterrorizou a família.
De resto, casos como esses são lições de reportagem no México, em Sorocaba e em qualquer lugar do mundo. Mostram como a desconfiança constante é uma arma de segurança do repórter, que se equilibra todos os dias em campo minado de interesses por todos os lados. A saída é desconfiar sempre, independentemente de as informações partirem ou não de fontes oficiais, e cruzar as versões obtidas para atingir o ponto mais próximo possível da verdade perseguida para contar uma boa história.

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