“É sempre amor, mesmo que mude”.
Mesmo que mude – Bidê ou Balde (músicos gaúchos).
Em algum dia de outubro de 2010.
Eu evito contar essa história, pois foi quando eu me perdi.
Talvez se eu tivesse sido preso, condenado a morte, virado usuário de crack, mendigo, seria melhor do que eu fiz.
Nesse dia eu me apaixonei.
Sabe aquilo que eu sempre quis, mas sempre evitei? Eu sempre evitei me apaixonar.
Eu vi amigos se acabando por causa de um coração partido.
Eu vi gente vivendo infeliz, pois teve um amor “que dilacerou o coração”, mas que, por motivos diversos, esses não terminaram juntos, seguiram suas vidas e, por mais que prosperaram, aos olhos da sociedade, todo mundo que consegue enxergar além daquilo que se vê, sabia que, no olhar de ambos, era daquele amor que eles sentiam falta. Eu sempre fugi disso.
Em função da minha situação financeira e social, eu não me dediquei muito a grandes amores ou paixões.
Eu tinha que trabalhar, estudar, para não ser um “boia-fria”. Podem me crucificar, podem me xingar, me ofenderem, mas, eu jamais imaginei ou desejei ser um operário.
Eu queria escrever livros, ir a amostras de cinema, comprar discos, ler poemas. No mundo que cresci, isso era frescura de gente rica. Lembro de meu pai me xingando porque eu tinha um caderno de poesias e um de prosas e crônicas.
Um dia, eu estava escrevendo umas coisas, e ele me chamou. E eu não ouvi. Ele veio, arrancou de minha mão o meu caderno de poesias, rasgou, me chamou de “bichona viadinho”, me deu um puxão de orelhas e me mandou virar homem.
Se fudeu!
Comprei outro caderno, escrevi um poema no dia das mães, que ganhou um bolsa de estudos no Colégio Marista, com TUDO PAGO!
No dia dos pais, escrevi um para ele, que foi lido na Praça da cidade (que não era a Praça das Mangueiras) e ele chorou.
E no dia da bandeira, escrevi outro, mais “punk”, que o investigador de polícia pediu que eu fosse dar depoimentos, pois era muito subversivo.
Sim, eu sempre fui um bundão para “briga de braço”, mas um vingador com a caneta.
Enfim, voltamos ao foco.
Outro momento, conto como a conheci, hoje será do dia que me perdi.
Eu trabalhava muito. Por isso, era difícil, eu passar o sábado, desde a hora do almoço na casa da namorada, e depois ir tomar banho, e retornar e ficar o fim de semana todo “grudado” com a garota.
Aliás, sempre achei brega, esses casais cujo ele ou ela, vem na casa da namorada no sábado de manhã e vai embora no domingo depois do Fantástico.
Horrível!
Brega!
Mas esse dia, eu jamais esqueço. Lateja em minha alma todo o momento. Mesmo que eu detalhasse aqui cada momento, cada palavra, cada sensação, somente eu saberia o quão importante e fatal foi aquele sábado, aquele encontro, aquele beijo, aquela lágrima que saiu do olho dela.
Cheguei na casa dela, umas 20h. Pontual como quase sempre.
Entrei, cumprimentei os pais, bebi uma água e esperei ela se arrumar.
Quando ela saiu do quarto, foi quando eu tive a primeira parada cardíaca!
Ela estava linda.
Camisa de alça verde clara.
Calça jeans preta.
Maquiagem de princesa dos meus mais lindos sonhos juvenis, combinando com a pele negra dela.
Um sonho.
Enquanto eu a olhava, a minha mente apenas me dizia: “Levanta, abrace-a, beije-a e a segure em seus braços como se sua vida dependesse disso! “- e era o que eu mais desejava fazer naquele momento.
Entramos no carro e eu já notei que havia algo errado. Quando ela ria de canto, sem abrir a boca, é o mesmo que um “sorriso amarelo”. Havia algo de errado…
– “Onde vamos meu amor?”
– “Onde você quiser!”
– “Não baby… A gente fica uma semana sem se ver. Hoje eu quero fazer algo especial para você. Onde você escolher, iremos!”
Nem uma reação. Paramos na Lanchonete do Paulinho. Ela não esboçou reação. Achei que não queria estar em locais de aglomeração. Parei em frente ao cinema. Tinha estreia “blockbuster”. Com certeza seria um excelente programa. Não quis. Rodei a cidade em vários lugares interessantes e nos não tão interessantes. Foi então que parei o carro na Praça das Mangueiras, em frente à Câmara dos Vereadores.
– “O que aconteceu amor?”
– “Você não sabe?”
– “Nem imagino!”
– “Esse é seu problema Júlio! Você nunca sabe de nada, nunca imagina nada e eu espero muito de você!”

Confesso! Nesse momento, me esfíncter anal travou. Gelou! Estava eu, super admirado de ter a namorada que eu tinha, de estar numa vibe legal na vida e ouço isso.
– “Sabe Júlio, todos meus amigos e amigas, os namorados chegaram as 14h, outros para o almoço. Elas passearam a tarde com ele na sorveteria, nos barzinhos, no clube. E eu? Tenho que passar a tarde de sábado sozinha! E eu pergunto que horas você chega e você não em dá um horário certo. Poxa! Eu espero muito de você!”
Enquanto ela falava, lágrimas corriam de seus olhinhos pretos como duas jabuticabas maduras.
Nessa hora, meu lado racional pedia que eu explicasse a ela que, sou 11 anos mais velho que ela, tenho responsabilidades, tinha acabado de “virar sócio” de uma empresa, tinha negócios parados, enroscados, eu era (e ainda sou) sozinho, sem nenhum “pai-trocínio”, enfim, que eu trabalhei até as 14h, descansei por 1 hora, me arrumei e fui vê-la. Eram 2h30 da minha antiga casa até a casa dela. E que, por mais que eu não fiquei das 12h do sábado às 19h do domingo “coladinho” com ela, os poucos momentos que passaria com ela, eram pra mim, os melhores do universo. Uma explicação lógica ou como anos mais tarde meu irmão me disse: “Você deveria ter virado macho e colocado ela no lugar dela!”
– Não fiz!
O que eu me lembro, é que eu fiquei uns 10 a 20 segundos paralisado, olhando para ela. Peguei um lenço de papel no console do carro, pedi licença e enxuguei os olhinhos dela.
Ela me abraçou. O carro era um Peugeot 206 espaçoso. O melhor carro que eu já tive. Ao me abraçar, ela chorou muito. Eu, particularmente, não sei o motivo do choro. Mas, fiquei abraçado. Chorando ali, ela me apertava e dizia: “Te amo, me perdoa! Te amo, me perdoa!”.
Sinceramente, eu não sabia do que perdoar. Sinceramente mesmo? Nem nas minhas viagens mais lisérgicas eu tinha passado por algo do tipo eu saberia o que dizer naquela hora. Por isso não disse nada!
Enxuguei as lágrimas dela novamente, beijei-a e disse: “Te amo e você nunca errou, por isso não há o que perdoar. Anjos não erram, se atrapalham, mas não erram”.
E fomos a uma pizzaria, fomos para a casa dela, pusemos um filme e ficamos ali, abraçados assistindo. Até ela dormir.
Onde está o erro? Por que nesse dia, você se destruiu? Qual foi o mal cometido?
Nesse sábado, internamente, eu peguei minhas convicções, meus planos, meus projetos, minhas opiniões e joguei tudo no lixo.
Passei a viver a vida dela. As realizações dela, eram as minhas. A alegria dela, era a minha.
Naquele dia, o Júlio Rivas, galego de Braga, Portugal, embora sempre brincalhão, sempre demonstrando ser um “ser instransponível, indestrutível e intocável” se desmanchou.
Naquele dia, eu decidi que eu seria sempre o “escudo” dela. Jamais eu deixaria que palavras, gestos, pensamentos, injúrias, qualquer sentimento ruim a atingisse. Se dependesse de mim, a vida dela seria, a partir daquele momento, como um filme juvenil da Sessão da Tarde. Ou um capítulo de Malhação! Felicidade plena!
No meu trabalho, eu sempre fui apelidado de “Cão, Bode Preto, Homem de Gelo, Coração Peludo”, por estar sempre focado e alheio a paixões, acabava de se dissipar no ar, exibindo toda uma carência afetiva de infância, não que nunca tive atenção de meus pais, ao contrário, eles viviam meu mundo (pelo menos disfarçavam), mas, aquele menino que desde pequeno, passava horas lendo livros que ele viria e entender anos mais tarde, excesso de músicas bregas românticas que ouvia no sítio, excesso de novelas – era o que um menino pobre, literalmente um “pé rapado”, podia divertir-se nos anos 80 – tudo isso estava descortinado naquele momento.
E isso que fiz.
Abandonei tudo para viver a vida dela. Mal aparecia no escritório e, quando aparecia, bastava ela mandar uma mensagem que eu ia ao encontro dela.
Saímos par almoçar, passávamos a tarde no shopping, nos motéis namorando, olhando o pôr do sol (muitas vezes o nascer do sol também).
Em outros momentos, conto como essa entrega (ou suicídio), me levou à ruína e quando o meu barco afundou de vez, sabe aquela mulher que chorava e pedia perdão lá na Praça das Mangueiras? Ela me abandonou sozinho no barco. Nem os ratos (haviam muitos à nossa volta) ficaram.
Enquanto eu tentava me equilibrar em um bote, para não morrer afogado, os ratos, agora homens de bem e da Tradicional Família Brasileira, estavam sentados à mesa. Bebendo e comendo. Sem saber que alguém se afogava, no barco construído para ela navegar.
Mas fui muito feliz. Naquele sábado. Na Praça das Mangueiras…
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