FREDERICI MORIARTY. Rolling Stones. Pacaembu. 1995. Chuva, muita chuva, uma chuva que destruiu meu velho RG de criança gordinha confeccionado na Polícia Civil em 1976. Nazaro e eu na pista. Nazaro, um historiador que conheci em 1986 e me deu abrigo em sua república de estudantes quando fui fazee História na USP.

Olhávamos para o alto e a chuva não parava de cair. Horas e horas. Nós dois ali nos encharcando à espera de uma das duas maiores bandas de rock da história, os Rolling Stones de Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts ( nos 59 anos de vida, passaram pela banda Brian Jones, Bill Wyman, Ian Stewart e Mick Taylor). Entretanto valia esperar as pedras dinossáuricas do rock rolar. semana, Charlie Watts deixou este plano material e foi tocar sua bateria noutras praças. A espinha dorsal da banda…
Todos pensam que Mick e Keith são os Rolling Stones. Mas se Charlie não estivesse fazendo o que faz na bateria, isso não seria verdade. Você descobriria que Charlie Watts é o Stones
Keith Richards, em uma entrevista em 1979

Tocava na abertura uma banda insuportavelmente chata, Spin Doctors. O cantor de collant preto tinha bom humor. Afinal foi alvo de constantes e seguidas bolas de papel, latinhas de cerveja, copos cheios de chuva, mijo ou fezes. Uns ele desviava, outros ele ameaçava chutar. Ganhou a plateia, apesar das porradas. O brasileiro não respeita regras.

E a chuva continuava, torrencial, úmida até a espinha. Eis que o deus dos céus deu uma certa trégua a poucos instantes do show principal. Nazaro acendeu um cigarro, começamos a bater papo sobre o coitado do Spin Doctors. Minha camisa encharcada e pesada começou a incomodar. Resolvi dar um jeito: torci-a com força e um imenso jato d’água escorreu sobre a estaca de madeira da pista central fazendo um barulho conhecido e que remetia o outro jato. Os 3 moleques à nossa frente viraram e começaram a nos encarar. Nazaro olhou pra mim com cara de quem, como eu , não entendera nada. Rimos do absurdo.Momentos depois dei uma nova revirada na blusa azul toda molhada. Água escorreu. Barulho forte. Daí os moleques viraram bravos e um deles mais exaltado, exclamou:
– Vocês mijaram na gente?!?!
Caímos na gargalhada, o clima ficou tenso. Os 3 ameaçaram partir pra ignorança. Continuamos rindo. Isso deu mais certeza aos moços: mijamos neles!

Voltam as chuvas e tudo encharca de novo. Torno a virar e torcer a blusa e fazer correr a água. Dessa vez os 3 perderam a paciência:
-Porra cara, que filhadaputagem é essa?
Eu e Nazaro ficamos muito sérios, fizemos cara de mal, secamos os 3 rebeldes sem causa, cruzamos os braços e metemos pressão. A situação era precária e tensa, a explosão era iminente, tudo levava a crer que acabaria na extrema violência. Foi nessa hora que caímos na gargalhada e eu torci a camisa na frente dos 3 e expliquei a confusão. Selou-se a paz.

Uma hora depois estávamos os 5 abraçados cantando Simpathy for the Devil juntos. Logo depois, veio Paint it Black, e a demoníaca bateria divina de Charlie Watts. Ali, debaixo de uma chuva fina, com os olhos voltados para o céu infinito de São Paulo, em que navegavam os bonecos gigantes trazidos para o show, ouvindo, cantando e dançando ao som de uma das poucas bandas que não só revolucionaram o rock, mas todo o mundo.
Que artigo maravilhoso, Martinho. História e poesia. Gosto assim.
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Muito obrigado pel8 elogio. Também gosto de escrever assim
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