Outsider

CARLOS ARAÚJO (Blog Outro Olhar) – Não fui ao cinema assistir “Vingadores”, não vi a série “Game of Thrones” , nem tomei conhecimento de nenhum jogo da última rodada do campeonato brasileiro de futebol.

Não postei nem curti nada no Facebook, não abri o Instagram e tuitar nunca foi minha praia.

Também não segui ninguém nas redes sociais e, quando o celular tocou várias vezes, eu não atendi.

Não viajei nas últimas férias, não fui a nenhuma festa ou comemoração, não saí de casa para nada.

Não prestei atenção em nenhum programa jornalístico, não vi televisão nos últimos tempos, não li nenhum livro, não fui ao bar e nem ao menos senti falta de qualquer uma dessas coisas.

Não comi coxinha na padaria, não pedi pizza nem fui à churrascaria.

Não liguei para um amigo ou amiga para contar as novidades e ouvir fofocas, não conversei sobre nada com ninguém nem fiz promessas ou assumi compromissos.

Não cumpri metas que se desvanecem no tempo, não prestei concursos que gerariam expectativas inúteis, não tracei planos que dependem dos outros.

Não cometi crimes, não assumi responsabilidades que não eram minhas, não fiz a coisa certa, não me preocupei em ser exemplo para ninguém.

Não contei piada, não fiz ninguém rir nem sequer manifestei leveza e bom humor diante do inverno que avança e chega ao fim como marcação do ritmo de um ano que voa.

Não disse o que penso sobre política, não apoiei nenhuma corrente de pensamento nem bati de frente com posições à esquerda e à direita.

Não fui à igreja, não rezei, não amei, não pedi para a força divina perdoar os meus pecados imaginários.

Não olhei para trás como quem converte a memória em retrovisor, não me indignei com o presente brutal e selvagem nem projetei nada para o futuro totalmente imprevisível e incerto.

Não fui a nenhum velório, não visitei ninguém no hospital, não houve nenhuma acusação contra mim.

Não me cobraram nenhuma atitude politicamente correta, não sei se fiz coisas certas, não sei.

Não segui exemplos deixados por outras criaturas, não admirei quem quer que fosse, não inventei nenhum arcabouço de heróis.

Não vi diferença entre morar em São Paulo, Brasília ou Rio: é o mesmo céu, o mesmo sol, a mesma chuva.

Também não identifiquei diferença entre Biden, Maduro ou Putin: é o mesmo poder, o mesmo teatro, a mesma trama.

Não ouvi os gritos de todas as tragédias brasileiras simplesmente porque em muitos casos as vítimas não tiveram tempo de pedir socorro.

Não declamei nenhum poema, não ouvi música, não escrevi nenhuma linha depois que a verdade acabou e que a mudez é a única atitude sensata.

E, entre tantas coisas que não fiz, não vivi e não curti a vida.

Mas paguei imposto de renda, muito imposto, nem queiram imaginar o quanto. Do imposto eu não consegui escapar.

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