LÚCIA HELENA DE CAMARGO (Blog Todas as Telas)
O mundo como conhecemos não vai existir por muito tempo. Em agosto a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que as mudanças climáticas causadas pelos seres humanos no planeta já são irreversíveis. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) aponta que a temperatura na Terra subiu 1,1 grau desde a segunda metade do século 19. Podemos parar de piorar a coisa, interrompendo a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento das florestas, mas o mal já feito vai fatalmente se refletir em aumentos, nos próximos anos, dos eventos extremos, como tsunamis, inundações, terremotos, maremotos.
Diante desse panorama, decidimos trazer para este blog uma dica de programa distópico que exibe de maneira gráfica como seria se a humanidade fosse completamente extinta: “O Mundo Sem Ninguém” (Life After People, 2008, History Channel). Sabemos que os maiores prejudicados, caso o efeito estufa comece a afetar mais drasticamente o cotidiano, serão as pessoas e os animais domésticos. Muitos seres vivos seguirão vivendo. E poderão talvez até alcançar mais prosperidade do que atualmente, pois não terão concorrência pelos recursos naturais e pelo espaço.
A prova disso é que em locais abandonados pelas pessoas, as plantas aos poucos ganham terreno, e animais voltam ao seu hábitat original. Em poucas décadas a região fica totalmente irreconhecível. É o caso de Chernobyl, região da Ucrânia na qual a usina nuclear explodiu em abril de 1986. Depois do catastrófico acidente, o local foi evacuado, virando uma cidade-fantasma. Hoje, passadas pouco mais de três décadas, a vegetação se reapropriou da área, entrando por todas as frestas das construções abandonadas e combalidas.
Os vestígios da habitação humana desaparecem rapidamente. Ainda mais se pensarmos em termos de eras geológicas. Sabemos que foram necessários muitos milhões de anos para que a Terra se transformasse neste lugarzinho bacana de viver, com mares, montanhas e atmosfera respirável. Assim, o surgimento da humanidade, há alguns milhares de anos, é algo bem recente. E, se desaparecermos daqui, em breve (muito breve) vão sobrar poucas marcas da nossa desastrosa passagem.
Futurologia distópica
“O Mundo Sem Ninguém” faz o exercício de futurologia, baseando-se em parâmetros científicos, de física, química e biologia, além de informações técnicas fornecidas pela engenharia e a arquitetura, e um adicional de imaginação, para tentar projetar como seria o futuro se a humanidade desaparecesse completamente da Terra. De um dia para o outro, sem mais delongas ou explicações, sem destruir o planeta. São mostradas projeções de alguns dias, meses, anos, chegando a séculos e milênios sem a presença humana.
No início de cada episódio somos lembrados que o programa não se destina a procurar entender como a humanidade desaparecerá, mas apenas o que acontecerá se o mundo ficar sem seres humanos.
Os primeiros a sofrer seriam os animais domésticos e os confinados, que hoje dependem das pessoas para viver. Alguns bichos dos zoológicos escapariam das jaulas, derrubando grades, cercas e muros. Mas a grande maioria morreria de fome. Os cachorros e gatos que conseguissem escapar das casas poderiam se tornar selvagens novamente. Diante do prato de ração vazio, recobrariam o instinto de predadores, e passariam a caçar animais menores para se alimentar.
Embora algumas construções sólidas, térreas e subterrâneas, possam durar muito, os prédios altos e pontes estão na lista dos mais efêmeros, porque a ferrugem e a erosão causada pelos ventos desmantelariam as estruturas em pouquíssimo tempo. Construções icônicas como a Estátua da Liberdade, nos Estados Unidos, e a Capela Sistina, no Vaticano, são objeto de simulações que exibem como poderiam virar destroços em poucos anos.
As obras de arte também estão fadadas a perecer rapidamente, já que, sem eletricidade, acabaria a climatização que hoje preserva grande parte das peças. Altas temperaturas e ácaros entrariam em cena, destruindo tudo: da Monalisa de Leonardo Da Vinci a livros com peças de Shakespeare, além de documentos importantes, cartas históricas, livros raros.
A série procura mostrar ainda como ficariam os corpos enterrados, mumificados ou embalsamados; se sobreviveriam aqueles mantidos em criogenia e o que ocorreria com o banco de DNA guardado na Estação Espacial Internacional.
Efeitos visuais
Para mostrar a força da natureza, que chega avassaladora, com inundações, erupções vulcânicas, tsunamis e terremotos, há a computação gráfica. Os efeitos não são esmerados como em grandes produções de Hollywood, mas dá para o gasto. Conseguimos entender como seria a derrocada de parte da civilização, com seus arranha-céus envidraçados, rios represados, antenas, torres de transmissão de energia.
Grande parte da série dedica-se a mostrar cidades americanas, como Nova York, Chicago, Los Angeles, Las Vegas, Washington e Atlanta; ou capitais europeias, como Londres e Paris. Mas há um episódio sobre a América Latina, no qual o exercício de futurologia catastrófica passa por São Paulo e Rio de Janeiro. A queda do Cristo Redentor é a cena mais emblemática dessa parte. Aparecem ainda o colapso de capitais como Buenos Aires e Bogotá, além de cidades mexicanas que abrigam ruínas maias, como Teotihuacán, no México.
Filmes como “Eu Sou a Lenda”, “O Dia Seguinte”, “2012”, entre outros, trazem essa ideia de um (quase) fim apocalíptico, mas mantêm na história um punhado de seres humanos, porque do contrário não haveriam personagens, só paisagens desabitadas. Neste “O Mundo Sem Ninguém”, porém, o interessante é justamente isso: não tem ninguém mesmo. Só a vegetação e os animais que sobraram. No início de cada episódio, o narrador anuncia: “Terra – população: zero”. É a deixa para entrarmos no clima.
A série, originalmente exibida no History Channel em 2008, hoje está no catálogo sob demanda da Pluto TV, serviço de streaming gratuito ligado à Paramount: https://pluto.tv/. Por não cobrar mensalidade, o único inconveniente é que o programa é interrompido de tempos em tempos para a entrada de anúncios.
A parte que mostra a América Latina, no entanto, não está na Pluto TV. Mas pode ser vista via YouTube.
América Latina, Sem Ninguém
A série “O Mundo Sem Ninguém” pode ser um ótimo exercício de humildade. Os seres humanos, que em geral se consideram as criaturas mais importantes do universo – capazes de “dominar” minerais, plantas e animais para consumo próprio – talvez sejam bem dispensáveis. E planeta Terra, sem pessoas, fique muito bem, obrigada.
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