
José Carlos Fineis
É certo que em tantas fotos uns tantos
já não são mais que isso – a projeção descolorida do que foram
e alguma coisa mais
Mas só por isso deveria eu me contentar em ser apenas
aquele que ainda não foi?
Não, senhor. Não, senhora. Não aceito não ser o que sou!
Exijo meu direito – o direito de todo que permanece –,
ainda que impermanente,
assim como o direito de ir e vir e de voltar ou de ficar,
assim como o direito de se alimentar e de recitar poemas,
assim como o direito de respirar e acreditar em sonhos –
o direito de ainda não!
Ainda não toquei violão em um barco,
ainda não sussurrei poemas à amada em Paris,
ainda não escrevi o primeiro livro de uma trilogia,
ainda não estive em alto-mar,
ainda não pisei na Lua
Ainda não ganhei a Palma de Ouro,
ainda não escrevi um poema que será lembrado daqui a séculos,
ainda não escalei o Everest,
ainda não conversei com os deuses,
ainda não me conformei nem me calei
nem disse sim
Como aceitar que o não seja apenas não
se ainda tenho o ainda?
Como conformar-me com minha ausência
se ainda não sou um punhado de documentos
guardados em uma carteira
no fundo de um baú?
Quando chegar o dia do não, eu saberei
Mas esse dia ainda não chegou
Não tente me convencer de que o não e o ainda não são a mesma coisa
pois não são
Foto: José Carlos Fineis
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