Meu Deus, a Mulher Maravilha é bissexual e vivia num Trisal!!

FREDERICO MORIARTY – A comédia de erros iniciou-se aqui: Jonathan Kent tasca um beijo sexualmente ardente em Nakamura…


Perceberam o primeiro equívoco? A identidade secreta do Superómi é Clark Kent, não Jonathan. A indignação seletiva e homofóbica do jogador de volêi Mauricio Sousa e outros tantos milhões de brasileiros preconceituosos é, antes de tudo, desconectada da realidade das HQs. Clark Kent continua sendo um dos mais chatos super-herois das HQs. Bom moço, bom marido, um cidadão americano naturalizado exemplar. Lois Lane, a jornalista, ainda é a esposa do mocinho de Krypton. O quase nonagenário Superómi não beijou nenhum outro homem, quem o fez foi seu filho Jonathan. Sim, o beijo gay ou bissexual foi do filho do Superómi.

A Mulher Maravilha é o segundo grande equívoco. Caso fosse uma descendente das Amazonas, devemos lembrar que elas aparecem em vários textos mitológicos, desde Hesiodo até Homero. Ao mesmo tempo temos relatos históricos de sua existência real. A etimologia da palavra é duvidosa. Alguns dizem que veio de línguas mesopotâmicas, significando “lutar ao lado”. Outra famosa diz que a palavra tem o sentido de ” sem seios”, por conta de uma tradição em mutilar o seio direito das meninas. O motivo era a Guerra. As mulheres do Ponto ( hoje Turquia), próximas ao mar Euxino ( mar Negro) eram as mais hábeis cavaleiras do mundo antigo ( não é a toa que Amazonas é o substantivo contemporâneo de mulheres que competem no hipismo). Além disso, elas eram temidas da Europa ao Oriente, por conta de sua habilidade com o arco e a flecha ( apoiados no seio mutilado, quando em ação). Viviam entre mulheres, odiavam homens. Uma vez por ano buscavam sexo com os homens, com a única intenção de reproduzir. Amor, prazer e delícias só ocorriam entre as mulheres. Os meninos nascidos ou eram mortos ou escravizados ( depois de devidamente mutilados).

As Mulheres Maravilha

Mas a história da heroína Wonder Woman vai além. Alcança William Moulton, Elizabeth Halloway e Olive Byrne. Moulton era um psicólogo renomado nas universidades norte-americanas ( inventou o detector de mentiras). Ele defendia que as histórias em quadrinhos possuíam também um caráter pedagógico e educacional. Halloway, também renomada psicóloga e sua esposa, consegue uma entrevista para levar as ideias do marido às editoras National Periodicals e a All-American Publications ( as duas se fundem anos depois e formam a DC Comics). Usando o outro sobrenome, para proteger a carreira acadêmica, William é agora o autor de HQs “Marston”. Cria uma heroína denominada de Diana Prince. Aficcionado pelo feminismo, Marston faz dela a primeira guerreira mulher dos quadrinhos. Diana, em verdade, é Olive Byrne, a jovem e belíssima estudante de psicologia, aluna de Moulton/ Marston. Os três formavam um trisal secreto. William casou com Elizabeth que se apaixonou por Olive a qual era amante de William. Viveram juntos por décadas. Tiveram filhos em conjunto. Para o mundo exterior, Olive era uma babá e governanta dos filhos do casal de cientistas. Dentro da privacidade do lar, o casal adorava praticar o bondage, prática levemente sadomasoquista de se amarrar o parceiro (a) sexual. Os dois adoravam vesti-la com cintos apertados, cintas-liga, corselhetes e braceletes. Todos estes elementos eram comuns nas HQs da Mulher Maravilha no início. Em muitas histórias, Diana é amarrada e amordaçada. Quanta bondage…

Os devaneios lésbicos de Diana em 1941

Com Marston e logo depois com a DC Comics, as HQs entram em sua segunda fase. As histórias são voltadas para o público adolescente. Na fase inicial, que teve o auge nos anos 30, as histórias em quadrinhos eram feitas exclusivamente para crianças. Os super-herois começaram a ressaltar o ” espírito da época “. Anos 30 é o pós-Crack da bolsa de Nova York ( 1929). Era de recessão brutal no mundo, desemprego, violência nas ruas e desesperança. O capitalismo estava em ruínas, atravessava sua maior crise sem fim. Como Marston defendia, as HQs tiveram um papel pedagógico. Superómi, Batman, Capitão América ( e mais tarde, Homem de Ferro e Homem Aranha) tiveram seu mundo destruído. Krypton explodiu matando todos os habitantes do planeta do Superómi. Bruce Wayne viu os pais serem assassinados. O Homem de Ferro perdeu seu centro vital. Todos eles guardam um segredo. E a maioria usa as cores da bandeira norte-americana. Nada mal para uma boa ideologia. Com seu esforço, com a ciência, com a dedicação e bons princípios, o homem comum pode se tornar um heroi. Lembremos que o disfarce humano do Superómi é Clark Kent, um homem atrapalhado, meio cego e um jornalista medíocre. Não era exatamente isso que um jovem americano precisava acreditar? E uma jovem também poderia se identificar com Diana.

Mas e os jovens diferentes, os esquisitos, os gays, as lésbicas, os bissexuais, os trans, com quem se identificariam? Se a arte é um olhar por dentro do espelho, uma viagem ao reflexo das nossas fantasias e inconsciente, onde estarão os herois símbolos da diversidade? Na década de 60, Stan Lee começava a criar seu universo dentro da Marvel. Spiderman vem daí. Um jovem franzino, nerd, um excluído. O frágil adolescente ganha super-poderes, corpo propositalmente torneado ( não bombado como o Hulk). Suas acrobacias são de um bailarino. Peter Parker mimetiza muito mais Nijinski do que uma aranha. O collant justíssimo sexualiza ainda mais o personagem.

Outra inovação: Homem Aranha é o primeiro heroi dos quadrinhos a não usar cueca por fora da roupa. Parece um detalhe bobo, mas não é. Nós anos 30, quando os super-herois nasceram, muitos foram inspirados na luta-livre. Como os lutadores costumavam usar collants justos, era necessário esconder os órgãos genitais, por isso aa grossas cueconas de Batman, Superómi e Flash Gordon. A partir dos anos 60 as formas e volumes se destacaram nos uniformes dos herois ( aliás, uniforme sempre foi um dos maiores fetiches sexuais). Um macho alfa admirando os volumes do Homem Aranha…

Com cueca e sem cueca. Torneado versus bombado. Bailarino contra imponente. Página da HQ ” mansão Wayne”

Mas foi somente com o X Men da Marvel que a diversidade virou regra. Criada em 1963, foi só no final dos anos 70 que a HQ “Uncanny X Men”, conhecida como terceira geração, alcança o sucesso. A febre cinematográfica se inicia em 2002. Basicamente é a história de jovens na puberdade que possuem super-poderes pois são mutantes. O professor Xavier ( um cadeirante) recruta esses jovens para treiná-los a administrar seus poderes e passarem a ser aceitos pelos humanos. Com o tempo alguns adultos também se juntam ao lado do “bem”. Magneto lidera os Mutantes do “mal”. Em verdade, Magneto é um niilista nietszscheano. Os humanos nunca aceitarão os Mutantes e como super-homens que são, caberiam a eles destruir o mundo dos homens frágeis e escravos e construir a nova ordem mutante. E quem são os jovens? Todo tipo de adolescente rebelde, esquisito, excluído, humilhado do mundo. São jovens solitários, muito deles depressivos ou que carregam na alma a dor do menosprezo e da violência psicológica sofrida. Os poderes são uma resposta oferecida contra a opressão. Seus poderes são variados, seus uniformes abusam da sexualidade, existem muitos símbolos fálicos, como os dedos sobressalentes de Wolverine.

Uma das Mutantes mais instigantes dessa fase é Mhystica. Capaz de se transformar em qualquer pessoa ou coisa, nunca deixando de lado sua sensualidade.

A camaleónica Mhystica

Foi exatamente nesse universo dos X Men que em 2011 um dos mutantes começou a namorar outro homem e teria chocado profundamente nossos conservadores se estes lessem a história do casamento do Estrela Polar. Pela capa da revista vemos que todos foram convidados pata a celebração, os mutantes do “bem” e os do “mal”. Até meu heroi preferido, o Surfista Prateado abençoa a união.

O casamento do estrela Polar. 2011. XMen ( Marvel)

Chegamos ao terceiro grande equívoco: os herois, vilões, super-herois, mutantes e outros das HQs tem todas as identidades possíveis, são machistas, homofóbicos, pais de família, esposas bondosas, jovens desorientados, psicopatas, sociopatas, homens e mulheres éticos, bons filhos, feministas, antirracistas, pérfidos, cruéis, são tomados de empatia. Alguns são solteiros, outros casados, uns tem filhos, outros fazem sexo adoidado, homens e mulheres se amam. Por que cargas d’água, esses personagens que são arquétipos humanos não poderiam ter relações bissexuais, homossexuais. Por que não existiria uma heroína trans ou um super-heroi travesti. O universo dos Vingadores que o diga. Thor é o protótipo do macho alfa: lindo, forte, musculoso, cabelos longos e soltos, barba mal feita, um ogro ao falar e agir. Seu irmão Loki parece saído de um desfile de modas. Roupas coloridas e longas, cabelos longos e lisos tratados a mil escovas, voz suave e pausada, cílios e sobrancelhas claramente pintados e delineados. Loki parece com o cantor pop dos anos 80 Boy George. Homem? Mulher? Travesti? Trans. Nunca saberemos.

Boy George?
Loki?

Antes mesmo do Estrela Polar e Loki, já existia a Batgirl na DC Comics, assumidamente lésbica desde 2011. Inclusive em 2013 a personagem Batgirl se abre para a colega de quarto Alissa Yeoh, uma cingapuriana. Yeoh acaba revelando também seu segredo: ela é transgênero. Veja o diálogo abaixo:

Dois anos antes ( 2009), outro heroi dos quadrinhos, pouco conhecido dos brasileiros, assume seu homossexualismo: é o Lanterna Verde. Curiosamente, no terrível filme de 2011, o Lanterna Verde é um típico macho-alfa.

Lanterna Verde em 2009

Dois super-herois que foram inicialmente criados para homenagear Batman e Superómi, porém reimaginados como homossexuais. Mas a evolução de Meia-Noite e Apolo levou os personagens muito além do seu propósito inicial e hoje eles são uma dupla poderosa dos quadrinhos. Embora a sua homossexualidade seja um traço importante de quem eles são, suas histórias fazem questão de mostrar que eles são muito mais que isso. Um casal temido por qualquer um, Meia-Noite é dos vigilantes mais brutais e sanguinários das HQs e Apolo tem poderes muito semelhantes aos de Superómi, incluindo a necessidade de energia solar. Eles são como a luz e a sombra, numa simbiose perfeita. Quebram também com o quarto equívoco: o de que homossexuais são frágeis, efeminados ou masculinizados demais, problemáticos, impossíveis de serem caracterizados como super, muito menos como herois. É o atroz preconceito que infantiliza e transforma os LGBTQIA+ em seres desequilibrados, portanto incapazes de ter valores dignos, éticos e forças sobrenaturais. Da mesma forma como a sociedade ultra-conservadora só acredita que homossexuais podem ser cabeleireiros, arquitetos, bailarinos, enfermeiras. Tem voz afetada quando gays, andam de ternos e voz grave se lésbicas.

Apolo e Meia Noite, a dupla homossexual, hoje com revista própria

Outro erro comum é infantilizar os gays e lésbicas. Além disso, existe a caricaturização dos personagens e empobrecimento dos mesmos, numa tentativa de disfarçar o preconceito pelo humor. Em 1981, Jô Soares criou o Capitão Gay e seu escudeiro Carlos Sueli. Os estereótipos machistas e homofóbicos são evidentes. Gay é apenas um homem que queria ser mulher. Nada da identidade própria.

Sueli e Capitão Gay

Batgirl numa das histórias em 2012 é expulsa do exército norte-americano. O motivo? Havia assumido sua homossexualidade. No ano seguinte ela entra pra história ao fazer o primeiro pedido de casamento lésbico das HQs.

Batgirl e o casamento gay

Outra característica que os machões nunca reclamaram é sobre o sexismo muito forte nas HQs. Mulheres são seres super sexualizadas, submissas, o corpo feminino é o fetichista maior. Talvez o maior símbolo disso seja as extintas HQs Heavy Metal.

A Mulher Gato ( Cat Woman) segue o mesmo modelo gráfico, mas tem uma conotação bem distinta.Ela é uma heroína que luta, arrebenta adversários, mas usa a sedução sexual para derrotar os inimigos. E na linguagem popular, Catwoman come todas e todos. É uma voraz bissexual. Mesmo no filme dos anos 80, com Michelle Pfeiffer no papel, ela distribue lambidas libidinosas em vários personagens, até num assustado Batman.

Em 2017 nascia a heroína que hoje é considerada a campeão da diversidade: América Chavez. A jovem é latino-americana, negra, periférica, assumidamente lésbica e arrebenta todo mundo.

América Chavez

O número 1 da revista da Marvel. O sucesso de América Chavez é tão grande que a Disney pretende comprar os direitos de imagem para o cinema da latina sexy.

Quinto equívoco: a liberdade de expressão não está dissociada da liberdade sexual. O caso do jogador de vôlei do Minas Tênis revela esse erro. A liberdade de expressão estaria limitada pela não liberdade sexual. A defesa da ” tradicional família brasileira ” , além de hipócrita é irreal. Mais da metade dos lares brasileiros são de famílias monoparentais. Na prática, a grande maioria das crianças são criadas pelas mães solitariamente. Avós respondem por mais 8% dos lares com menores. Muitos homens somem de casa, abandonam filhos, se recusam a pagar pensão ( aliás, vira e mexe vemos atletas e ex-atletas nesse ridículo e criminoso papel de se recusar a alimentar o próprio filho).

Ano que vem está previsto pela DC o beijo gay de Robin

Mas nem todo homem é igual. Batman adotou e criou com carinho e amor o jovem Robin. Foi o preconceito em não aceitar uma amizade entre homens de idade distinta que sempre supôs um homossexualismo latente entre os dois heróis de capa. Os fãs sabem também que Robin já morreu e um dos novos Menino Prodígio, é uma menina. A diversidade presente. Sabemos hoje que o novo Capitão América é afrodescendente. E que o sucesso da nova Mulher Maravilha levou a Marvel a tirar do baú a Capitã Marvel. A mesma diversidade que obrigou o cinema a produzir o excelente Pantera Negra.

Marvel e DC ( e a Disney com seu novo filme de super herois Eterno) sabem que no capitalismo global e de alta tecnologia você não vende mais o ” produto X da marca Y”. Vendem-se e compram-se ideias e conceitos. A Natura é verde. A Magazine Luiza só contrata funcionários negros em sua última seleção. Vivemos no mundo da diversidade sexual, da liberdade sexual, do combate a todas as formas de preconceito existentes. A Fiat sabe que patrocinar um jogador homofóbico causa danos irreparáveis a marca, mais do que um freio mal ajustado.

Esse é o mundo que todos nós, democratas, humanistas e pessoas de caráter e princípios, queremos. Um mundo de liberdade e de amores livres em todos os lugares.

Deixo por último, o casal mais charmoso das HQs: Arlequina e Hera Venenosa. Aliás, o nome Arlequina é um achado brasileiro. O original é Harley Quinn. Nós buscamos uma palavra homófona, Arlequina, a qual coincidentemente tem um sentido ( o feminino de Arlequim) que lembra e muito as peripécias da heroína. Arleqyina, por sinal, teve a pachorra de largar nada mais nada menos do que o maior dos psicopatas para ficar com outra mulher. Tsk tsk, o Coringa se vingará ficando com a Queen / Rainha. Drag Queen.

Hera e Arlequina

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