
“O personagem só existe para evitar o constrangimento.”
(Millôr Fernandes)
Paulo Betti
Desde menino gostava de fazer teatro. No quintal de casa, no bambuzal, de frente pro riachinho, no quartinho de paredes de barrote, tocando o sino e fazendo as leituras do coroinha nas missas da Auxiliadora, “ …dos pequeninos mãe dadivosa”.
E ia no circo ver os dramas. “O céu uniu dois corações”. Era o nome de uma peça.
Mas o impacto mesmo foi quando assisti “Júlio César”, de Shakespeare, numa montagem do teatro amador. Assisti muitas vezes, decorei os discursos de Marco Antônio e Brutus. Andava pelas ruas falando sozinho aqueles textos.
Daí a ditadura começou a censurar os textos e o teatro foi se preocupando mais com o corpo.
Vi muito contorcionismo em cena e geralmente gostava de tudo. Sempre gostei de todas as peças que vi.
Na escola de teatro, anexa à USP, caprichava nas aulas de dicção, história do teatro e português. Mas sempre tirava cinco em expressão corporal. Dez era a nota máxima.
Não conseguia dar cambalhotas acrobáticas.
Sorte que a grande atriz Miriam Muniz, nossa professora também, aliviava: “Nunca dei uma cambalhota na vida.”

Trabalhava como datilógrafo durante o dia. Fazia escola à noite.
Saí da escola de teatro e fui dar aulas no colégio judaico, fazia dublagens e pude largar o escritório.
Não conseguia embarcar na emoção dos exercício de memória emotiva. Pensava na morte de meu avô, segurando a vela no quarto escuro, e não acontecia nada. Tinha medo de ficar maluco, meu pai era, me defendia. Caprichava mais nos exercícios de voz.
Era considerado careta. Canastrão.
Segui gostando de ver as peças, mas não querendo trabalhar com os gurus da época. Antunes Filho, Zé Celso, Fauzi Arap.
Fui dar aulas na Unicamp. Fazia comerciais pra TV. Comecei a dirigir. Nunca pedi a nenhum ator que fizesse “de verdade”. Sempre achei que eles estavam fazendo o melhor que podiam. Ia apontando pequenas correções. “Vira praquele lado.” “Clareia essa palavra. Não deu pra entender o texto, a intenção.”
Nunca gostei de teorias teatrais como método. Apenas por curiosidade li Artaud, Stanislavsky, Grotowisk, Meierhold, Eugenio Barba, Hermann Hesse e Castanheda (muitos exercícios que fui obrigado a fazer eram copiados desse autor que influenciou até Federico Fellini).
Fiz filmes e novelas.
Nunca nenhum diretor ou diretora me pediu pra fazer algo que eu não quisesse fazer. Ou não pudesse fazer. Quando não ficavam satisfeitos, eu tentava de outra maneira até conseguir.
Comecei a saber da existência de “treinadores “ de atores há pouco tempo, muitos deles, a maioria, muito amáveis; mas, de uns poucos, os colegas reclamavam que mais pareciam adestradores de animais. Com todo respeito pelos animais.
Nunca gostei de ver violência na tela. Ainda mais agora que sei o que fazem com os atores para conseguir aquele resultado. Sempre tive bronca de “sindicalismo de resultados”. Nunca parei na rua pra ver uma cena de acidente. Um corpo estendido no chão.
Gosto dos diretores. Mas ouso lhes dar um conselho: não fiquem inseguros. Se o texto for bom, se vocês souberem a história que querem contar, se planejarem bem as filmagens, se o produtor for organizado e a comida no set for razoável, nós faremos com paixão nosso trabalho.
Nós atores somos inseguros e vaidosos. Uma combinação explosiva, me disse o dramaturgo africano Athol Fugard.
Plinio Marcos dizia que “ator agarra até em fio desencapado pra fazer bem um papel”.
Não precisamos de estímulos agressivos, tapas na cara e nem mesmo sussurros no ouvido sobre nossas perdas na vida real ou nossa idade provecta.
É expectável que façamos nosso trabalho com emoção e saberemos onde buscá-la por nossa própria sorte.
Pronto, usei a palavra “expectável”, encerro aqui essa conta.
Vamos juntos.
Temos que derrotar o Bozo.
Rio, 26/11/2021
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