Jogo de campeonato é bola pro mato

FREDERICO MORIARTY

Mwepu Ilanga nasceu no Congo ” Belga” ,11 anos antes da revolução nacionalista de Patrice Lumumba. Pequeno, começou a jogar bola na Província de Katanga.

Aos 14 anos viu o coronel do exército de Lumumba dar um golpe de Estado. Mobutu Sese Seko foi um dos mais cruéis ditadores da história. Por 32 anos escravizou, torturou, matou opositores e aliados. Tudo com apoio irrestrito dos Estados Unidos, França ( que podia continuar explorando as muitas riquezas naturais do Congo), Israel e o regime do Apartheid sul-africano. A desculpa: o perigoso Desiree Kabila, um revolucionário ( dito comunista) que lutava nas selvas desde 1965. Che Guevara passou por lá e em 2 meses foi embora pois, segundo ele: ” Kabila é o homem errado, gosta de passar dias em bebidas e bordéis, não gosta de treinar guerrilhas, não tem nenhuma disciplina. ..” . Mobutu criou uma milícia paramilitar para o proteger e ďesviou recursos do país para sua conta bancária e a de seus filhos e mulheres. US$ 7 bilhões de dólares aproximadamente. Em 1967 mudou o nome do país para Zaire. Pq era dono de tudo.

Secretary of Defense Caspar W. Weinberger meets with President Mobutu of Zaire in his Pentagon office, Room 3E880.

Na copa da Alemanha em 1974, o Zaire conseguiu a classificação. Era a primeira vez que uma seleção da ” África negra” conseguia participar da fase final. Na estreia, um jogo apertado. Os leopardos do Zaire de camisas verdes e calções amarelos perderam de 2 a 0. Ilanga, bravo, meteu uma bicuda no árbitro colombiano. Este não viu o lance e expulsou outro jogador. Ilanga gesticulou pra mostrar o engano, não adiantou. Na partida seguinte o massacre: Iugoslávia 9 a 0. No terceiro gol, envergonhado, o goleiro do Zaire pediu pra sair. O último jogo seria contra a seleção tricampeã do mundo, o super-poderoso Brasil. Os péssimos resultados brasileiros obrigavam o país a ganhar de pelo menos 3 gols de diferença. Mobutu mandou o recado: mais de 3 gols do Brasil, os jogadores zairenses e seus familiares corriam risco de vida.
O Brasil jogava mal mais uma vez. Jairzinho fez 1 a 0 no primeiro tempo e só aos 23 do segundo tempo Rivelino ampliou o placar.
Veio o imponderável futebol clube. Faltavam 15 minutos para o fim de jogo. Falta perigosíssima na entrada da área para o Brasil. Rivelino, Marinho Chagas e Valdomiro conversam na meia lua. Ilanga sai da barreira e manda uma bicuda na bola que vai parar no Reichstag. Ninguém entende nada. Tempos depois Ilanga contou que xingara o time todo ” seus malditos, dali o Rivelino não erra, nós vamos morrer quando chegarmos no Zaire!”. ( lance ao fim do texto)
Ilanga virou piada mundial. Sua camisa era vendida em todos os cantos, um ” meme” antes do “meme”. A mídia defendia a ignorância dos povos africanos.

Nenhuma palavra sobre a ditadura, nenhuma palavra sobre a ameaça de morte, nenhuma palavra sobre a destruição imperialista por mais de 100 anos no país, nenhuma palavra sobre a rapinagem sistemática do continente africano por franceses, belgas e holandeses.. Só se destaca até hoje o gesto ” tresloucado” que hoje se sabe ter sido um grito de socorro coletivo. Grito surdo como sempre. Rivelino errou a falta, mas aos 39 do segundo tempo, Valdomiro fez o esperado terceiro gol. Para os jogadores do Zaire, um alívio, afinal não tomaram o quarto gol.
De nada adiantou. Quando regressaram ao Zaire as casas doadas, os carros e o dinheiro prometido por Mobutu foi tomado. O zagueiro do Mazembe voltou a miséria. Em 1997 viu o ditador Mobutu ser derrubado pelo antigo revolucionário Kabila. Morreu na miséria num hospital da República Democrática do Congo em 2015, sob a ditadura de Joseph Kabila ( 2001-2020), filho de Desiree, e os olhares gulosos da França e Bélgica que ainda desfrutam das riquezas do país.

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