CARLOS ARAÚJO (OUTRO OLHAR) – Matheus estava numa prisão sem muros, sem celas, sem grades. Não havia câmeras de vigilância, cadeados, guardas, nada disso. Os espaços eram amplos como no deserto. Qualquer rumo podia ser uma direção a seguir. Um passo à frente significaria o início de uma jornada. Mas ele não sentia força na perna. Não conseguia sair do lugar. Alguma coisa o aprisionava.
A prisão tinha o cenário de uma rua. Do outro lado da calçada havia um prédio com a fachada que identificava o funcionamento de um teatro. Um cartaz de fundo escuro, com letras vazadas em branco, anunciava que a peça em cartaz naquele dia chamava-se “O Corpo”. Não havia outras pessoas na frente do teatro nem em qualquer outro ponto da rua. Matheus era a única criatura naquele pedaço de chão.
Devia ser sábado ou domingo, porque as portas de comércio da rua estavam todas fechadas. Só a porta do teatro se mantinha aberta. Era um tempo indefinido entre cinco e seis da tarde, mas o horário de verão confundia tudo e o difícil era saber as horas. Não havia relógio na rua. E Matheus não tinha nada que marcasse a hora certa. Nem celular.
Também, pensou Matheus, não havia razão para ser ansioso com o horário. Como estava preso, o tempo não importava. Nem o espaço. Talvez fosse por isso que não via ninguém. Quem sabe teria algum contato com um vivente no dia de visita, embora não soubesse quando isso ia acontecer.
Algo o intrigou. Se estava preso, por que o teatro parecia aberto para ele? Não pensou numa explicação. Na vida, raciocinou, algumas situações independem de justificativa. E ainda acham que existem atitudes certas, de um lado, e erradas, de outro, julgou.
Matheus imaginou que era errado estar preso num mundo em que havia tantas possibilidades de viver e ser feliz. Havia outras ruas, outros teatros, outras peças. Havia música, dança, festa, alegria, sorrisos, vozes soltas e música alucinante para ouvidos puros. Havia saudade, emoções, beijos com gosto de champanhe. E todo o mundo de Matheus se resumia à prisão.
Os homens vivem de marcar o tempo, agendar compromissos, prever o futuro. Por conta disso, Matheus pensou que talvez alguém pudesse dizer quando ele deixaria a prisão para acessar o mundo que está à disposição de todos lá fora. O problema é que havia uma dificuldade de linguagem. Não o entendiam quando ele tentava se comunicar. E ninguém falava com ele para dizer o que gostaria de ouvir.
Habitualmente há uma razão para estar preso. É preciso cometer um crime, ser julgado e condenado. Matheus não se lembrava desses procedimentos. Não recordava o crime que talvez tivesse cometido. Não imaginava o mal que tivesse feito e que justificasse a sua prisão. E não havia quem pudesse explicar a falta de sentido para o seu destino. Ou talvez não houvesse necessidade de sentido para manter alguém preso e incomunicável.
Matheus também não sabia há quanto tempo estava nessa situação. Os dias, as semanas, os meses, os anos, toda essa marcação se sucedia, uma após outra, e para ele os resultados desse mecanismo não significavam nada.
Presos têm o hábito de contar quantos dias estão atrás das grades, quais os benefícios a que têm direito e quanto tempo falta até a conquista da liberdade. Mas para Matheus nada disso tinha razão. Se o seu encarceramento não tinha muros nem grades, que diferença fazia a contagem do tempo?
Apesar de tudo, ele aprendeu a sorrir. Mesmo que não tivesse motivo, sorria de vez em quando. As pessoas se perdem no riso diante de uma graça, uma piada, um encantamento. O sorriso de Matheus era algo inexplicável, próximo do que é a respiração, a lágrima, o suor. Ele precisava sorrir como condição para fazer com que se sentisse bem. O sorriso era um jeito particular de resistência.
Na solidão da rua, Matheus olhou em volta como se procurasse a presença de alguém. Parecia que estava adivinhando a aproximação de uma pessoa. E, de fato, era alguém. Era uma mulher que ele nunca tinha visto. E ela cobria o rosto com um véu cinza.
De repente, Matheus soube que podia se comunicar com essa mulher. Como em relação aos outros mistérios, também não havia explicação sobre por que ela era a única criatura com quem podia falar. A linguagem finalmente se estabelecia. Perguntou por que estava preso e o que poderia fazer para ganhar a liberdade.
A desconhecida disse:
“Você é a sua própria prisão, que se manifesta no seu corpo, na sua alma, no seu destino.”
“E como fazer para ser livre?”, suplicou Matheus.
“Venha comigo”, disse a mulher, estendendo-lhe a mão.
Matheus deu um passo em direção à mulher. Pegou-lhe a mão. E os dois saíram, caminhando lado a lado, no sentido sul da rua deserta.
Deixe uma resposta