LUCY DE MIGUEL – A ciência já comprovou que as emoções são as responsáveis pelos registros em nossa memória. O que guardamos e o que lembramos são acontecimentos acompanhados de forte impacto emocional — bons ou ruins — e das associações que fazemos com eles.
Por muitos anos, tomei como um mantra a expressão “força” e essa palavra funcionava como combustível para o alcance dos meus objetivos.
Esse gatilho mental foi o que marcou os últimos momentos da vida do meu pai ao meu lado. Estávamos no hospital. Ele já bem debilitado por conta da quimioterapia, quase não acordava mais de um sono que visivelmente era notado como um descanso para a sua passagem. Existia uma esperança em toda a família de que ele venceria mais esta batalha, mas eu tinha a certeza de que neste plano ele já havia cumprido com a sua missão.
Essa tranquilidade me permitiu fazer a nossa despedida em forma de oração. Era uma conversa silenciosa, em trio: eu, meu pai e Deus. Conversa serena, de agradecimento, de libertação, de perdão. Até que fomos interrompidos por uma enfermeira, que deixou uma xícara de café com leite quentinho sobre a mesa, dizendo que ele precisava se alimentar, e saiu.
Eu o acordei e ele concordou em tomar um pouco, porém não se mexia, nem mesmo abria os olhos. Segurei a xícara com uma mão e tentei levantá-lo passando o braço por debaixo do travesseiro, sem sucesso. Insisti na empreitada, com cuidado para não derramar o leite sobre ele, e nada.
Mesmo magrinho, seu corpo largado na cama tinha um peso que eu não era capaz de levantar. Nem passou pela minha cabeça pedir ajuda à enfermeira, pois aquela era uma tarefa só minha. Estudei rapidamente novas possibilidades de erguê-lo, já que a cama do hospital não tinha esse recurso. Respirei fundo, abracei-o novamente com carinho, com os dois braços desta vez e senti um sussurro bem baixinho: “foooorça”. Não soube distinguir se era ele ou Deus falando em meu ouvido.
Senti um amor tão grande que ergui seu tronco num leve impulso e consegui sustentá-lo durante uns segundos para que desse apenas dois goles, os últimos. Não precisava mais desse alimento. Voltou a dormir.
Meu “turno” terminou logo depois, quando minha mãe chegou para que eu pudesse ir almoçar. E meu pai fez sua passagem definitivamente duas horas depois…
… Senti um sussurro bem baixinho: “foooorça”. Não soube distinguir se era meu pai ou Deus falando em meu ouvido.
Força foi o que moveu meu pai durante toda a sua jornada. Tinha um comportamento empreendedor, com vitórias e fracassos que deixavam aprendizados. Não desistia nunca. E foi essa expressão que tomei como motivação para lançar-me a grandes desafios com sucesso. Até que…
Dez anos depois, em um momento antagônico, quando fazia a cobertura de um parto natural domiciliar para uma reportagem, aprendi um novo mantra. Eu estava quietinha em um canto do quarto com todo o equipamento fotográfico, acompanhando a movimentação leve de uma mulher, prestes a dar à luz, entregue totalmente aos seus instintos, buscando uma posição mais cômoda para a chegada da bebê Helena.
Meu papel ali era ficar o mais invisível possível, sem interferir no momento sublime que toda a família estava vivendo. A parteira Priscila dava as orientações, com carinho, com massagens, com toques também maternos, femininos. Durante a espera, fiquei em oração, pedindo a proteção divina e agradecendo pela oportunidade de presenciar algo tão mágico. Foi então que ouvi baixinho o comando : “coraaagem”.
Não sabia se vinha da parteira ou de Deus. No meu íntimo, eu estava desejando “força”, mas coragem era muito mais do que isso. Coragem vem antes é o princípio de tudo. Coragem nos enche de força, de oxitocina. Coragem é um fluido, uma energia vital, um oxigênio turbinado com a energia divina que corre em nossas veias, sai por nossos poros e reverbera em tudo e em todos à nossa volta.
Coragem tem sua origem do latim, coraticum, derivado de coração, que em épocas remotas era considerado o órgão da coragem, da inteligência.
Não é à toa que o coração e o cérebro são os dois órgãos formados nos primeiros dias da gestação. Estão intimamente ligados. Daí acreditar que não é a mente ou nosso pensamento que faz com que alcancemos nossos sonhos. É o desejo que está em nosso coração, que nos dá a coragem para ir em frente com força, para acreditar, construir os caminhos da nossa realização, da nossa incrível jornada.
E o melhor de tudo isso é que essa dádiva está dentro de nós, de todos nós. Se o seu coração está pulsando, é porque ela está aí. Ensine isso para os seus filhos, para os seus amigos, funcionários, alunos. Coragem é um presente divino. Está guardadinha, para ser usada sempre que precisarmos.
Vá em frente e acredite.

Lucy De Miguel, editora da revista NA MOCHILA, jornalista especializada em primeira infância, mãe da Sabrina e do Tiago, fundadora do Instituto Noa, acredita que nosso verdadeiro crescimento acontece quando fazemos o outro crescer.
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